TRANSPLANTE CARDÍACO: UMA FORMA DE GARANTIR A SOBREVIDA DE PACIENTES COM CARDIOPATIA AVANÇADA

       O transplante cardíaco (TC) é um procedimento médico complexo que envolve a substituição de um coração doente por um coração saudável obtido de um doador. Esse procedimento oferece uma nova chance de vida para pacientes com insuficiência cardíaca (IC) grave e irreversível, além de ser um testemunho do avanço da medicina moderna. No entanto, esse procedimento ainda está repleto de desafios, tanto médicos quanto éticos (Brasil, 2017).

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia o transplante cardíaco é a principal alternativa terapêutica para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, refratária às intervenções clínicas e cirúrgicas, com mais de 110 mil procedimentos realizados no mundo, especialmente a partir da década de 1980, com o advento da ciclosporina. Esse procedimento tem como principal objetivo melhorar a qualidade de vida e sobrevida desses indivíduos. Depois do transplante, o paciente precisa fazer a utilização prolongada de esquemas farmacológicos de imunossupressão para manutenção do órgão transplantado e prevenção de rejeição (Bacal et al., 2018).

Desde a introdução da ciclosporina na década de 1980, o número de transplantes cardíacos e as taxas de sobrevida têm aumentado progressivamente em todo o mundo. Contudo, diversos fatores de risco permanecem influenciando a sobrevivência no TC, dentre eles: características demográficas do receptor e do doador, variáveis clínicas como a causa da insuficiência cardíaca, estratégias terapêuticas de manutenção adotadas e a incidência de complicações pós-transplante (Freitas et al., 2021).

O Brasil possui um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, sendo quase a totalidade desses procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O país é atualmente destaque na América Latina e considerado uma referência no transplante de coração na doença de Chagas. O TC e o acompanhamento dos pacientes transplantados, desde o manejo pré-operatório até a disponibilização dos imunossupressores pós transplante, está entre as trinta terapias mais onerosas disponíveis à população brasileira por meio do SUS, sendo o sistema responsável por cerca de 96% dos TC realizados no país (Piovesan; Nahas, 2018).

Segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), em 2022 foram realizados 359 transplantes cardíacos no Brasil, representando um aumento em comparação aos anos anteriores, destes o Estado com maior número de realizações foi São Paulo com 133, em segundo, Minas Gerais com 64 e em terceiro, Rio de Janeiro com 34, no mesmo ano a taxa de sobrevida se manteve em 41%. O aumento na capacidade de diagnóstico, a conscientização sobre a importância da doação de órgãos e o aprimoramento das equipes cirúrgicas são alguns dos fatores que contribuíram para esse crescimento. As principais causas de insuficiência cardíaca que levaram ao transplante durante esse período incluem cardiomiopatia, doença arterial coronariana avançada, doenças valvulares cardíacas e distúrbios do músculo cardíaco (Garcia; Pacheco, 2022).

Apesar do progresso observado, o transplante cardíaco no Brasil enfrenta vários desafios. Um dos principais é a escassez de órgãos doados. A taxa de doação de órgãos ainda é relativamente baixa no país, e muitos pacientes aguardam por um transplante por um período prolongado. A conscientização pública sobre a doação de órgãos e a infraestrutura para a coleta e transporte de órgãos são áreas que precisam de melhorias contínuas. (Pêgo-Fernandes, Pestana, Garcia, 2019).

Além disso, questões de acesso à saúde desempenham um papel importante. Nem todos os pacientes têm acesso igualitário ao transplante cardíaco devido a desigualdades regionais e econômicas no sistema de saúde. A distribuição de órgãos também é um desafio, com a necessidade de garantir que os órgãos doados sejam alocados de maneira justa e eficiente, levando em consideração a gravidade da doença e a probabilidade de sucesso do transplante (Brasil, 2017).

Na indicação do transplante cardíaco, deve-se contemplar a relação risco-benefício individual e populacional. A alocação de órgãos para transplante possui implicações éticas, pois são recursos escassos que devem ser preferencialmente ofertados para aqueles com maior probabilidade de sobrevida à longo prazo (Sanches et al., 2021).

Ainda existem algumas contraindicações consideradas absolutas para o transplante cardíaco, entretanto, grande parte das que são consideradas relativas têm sido satisfatoriamente manejadas em centros de referência, devido aos avanços diagnósticos e terapêuticos crescentes nesta área. Na avaliação de potenciais receptores, procura-se identificar condições clínicas e comorbidades associadas a risco cirúrgico muito elevado e/ou redução significativa da sobrevida pós-transplante (Bacal et al., 2018).

Dentre elas, merece destaque a discussão da idade limite para a realização do transplante cardíaco. Pacientes selecionados acima dos 70 anos podem se beneficiar do procedimento. Estudos recentes têm demonstrado que candidatos com mais de 60 anos apresentam menores taxas de rejeição após o transplante e menor incidência de Doença Vascular do Enxerto (DVE). Em relação à sobrevida, ainda há controvérsia na literatura, porém considera-se atualmente que pacientes mais idosos não devem ser rotineiramente excluídos da avaliação para transplante cardíaco (Ribeiro et al.,2020).

O paciente com insuficiência cardíaca geralmente necessita de acompanhamento médico e multidisciplinar periódico e rigoroso. Este seguimento abrange inúmeras avaliações prognósticas a fim de detectar se o paciente é candidato ao transplante cardíaco e em que momento ele deve ser incluído na fila do transplante. A avaliação do candidato deve ser clínica, laboratorial, imunológica, hemodinâmica, psicológica e social (Juan et al., 2020).

O transplante cardíaco tem salvado muitas vidas e melhorado significativamente a qualidade de vida de pacientes com doenças cardíacas terminais. No entanto, é um procedimento complexo com riscos e desafios, e a pesquisa continua a se concentrar no desenvolvimento de alternativas, como corações artificiais e a engenharia de tecidos, para atender à demanda crescente por transplantes cardíacos (Mehra et al., 2019).

 

Referências:

 

BACAL, Fernando; MARCONDES-BRAGA, Fabiana; ROHDE, Luis Eduardo; XAVIER, Júnior José; BRITO, Flávio de Souza; MOURA, Lídia Ana; COLAFRANCESCHI, Alexandre Siciliano; LAVAGNOLI, Carlos Fernando; GELAPE, Cláudio Leo; ALMEIDA, Dirceu Rodrigues; GAIOTTO, Fábio Antônio; ATIK, Fernando; FIGUEIRA, Fernando Augusto; SOUZA, Germano Emílio; RODRIGUES, Hélcio; CAMPOS, Iáscara Wozniak; SOUZA NETO, João David; ROSSI, Neto João; GASPARETTO, Juliano; GOLDRAICH, Lívia Adams; BENVENUTI, Luiz Alberto; SEGURO, Luis Fernando; ULHÔA, Júnior, Marcelo; MOREIRA, Maria da Consolação V.; ÁVILA, Mônica Samuel; CARNEIRO, Rodrigo; MANGINI, Sandrigo; FERREIRA, Sílvia Moreira; STRABELLI, Tânia Mara. 3ª Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 111, n. 2, p. 230-289, ago. 2018.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Transplantes. Brasil, 2017 Disponível em: Sistema Nacional de Transplantes — Ministério da Saúde (www.gov.br) Acesso em: 20 out 2023.

 

FREITAS, Natália Cristina. et al. Dezesseis Anos de Transplante Cardíaco em Coorte Aberta no Brasil: Análise de Sobrevivência de Pacientes em Uso de Imunossupressores. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 116, p. 744-753, 2021.

 

GARCIA, Valter Duro; PACHECO, Lucio. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos-Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado (2015-2022). Registro Brasileiro de Transplantes (RBT). 2022. Disponível em:

https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2023/03/rbt2022-naoassociado.pdf Acesso em: 20 out 2023.

 

JUAN, Bagudá Javier. et al. Implicaciones de la pandemia por COVID-19 para el paciente con insuficiencia cardiaca, trasplante cardiaco y asistencia ventricular. Recomendaciones de la Asociación de Insuficiencia Cardiaca de la Sociedad Española de Cardiología. REC: CardioClinics, v. 55, n. 2, p. 94-102, 2020.


MEHRA, M. R; CANTER, C. E; HANNAN, M. M; SEMIGRAN, M. J; UBER, P. A; BARAN, D. A. The 2016 International Society for Heart Lung Transplantation listing criteria for heart transplantation: a 10-year update. The Journal of Heart and Lung Transplantation, v. 38, n. 3, p. 243-256, 2019.

PÊGO-FERNANDES, P. M; PESTANA, J. O; GARCIA, V. D. Transplants in Brazil: where are we?. Clinics (Sao Paulo), v. 74, p. e832, 2019. doi:10.6061/clinics/2019/e832 » https://doi.org/10.6061/clinics/2019/e832

PIOVESAN, Affonso; NAHAS, William Carlos. Estado atual do transplante renal no Brasil e sua inserção no contexto mundial. Revista de Medicina, v. 97, n. 3, p. 334-339, 2018.

RIBEIRO, Joseane Souza. et al. Transplante cardíaco de envelhecentes e idosos no período de 2009-2018. 2020.

SANCHES, João Gabriel. et al. Transplante cardíaco no tratamento da miocardiopatia chagásica. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 5, p. e6983-e6983, 2021.

Linha de pesquisa: Tecnologias cuidativo-educacionais: desenvolvimento e inovação no campo da saúde.

Eixo temático: Condições crônicas cardiovasculares.


 

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