Disciplinamento corporal na infância: Costume violento ou Ferramenta educativa eficiente?

    Longas horas de trabalho exaustivo, tarefas acumuladas, dificuldades financeiras, trânsito caótico, discussões em família, casa bagunçada, preocupação com a educação de limites às crianças... Essas são algumas situações vivenciadas no dia a dia pelos adultos. Pais e mães, podem perder a paciência diante de tanto estresse e descontar os sentimentos negativos, gerados pelo estresse nas crianças. A insegurança, frustração, ansiedade e nervosismo em colocar ordem no que está bagunçado e reorganizar a rotina da casa, leva o adulto a buscar uma forma de liberar essa tensão de maneira rápida, intempestiva e violenta, que não contribui em nada positivo para a criança, apesar de que momentaneamente o comportamento que o adulto julgou indesejado, desapareça.

 O disciplinamento corporal doméstico tem suas bases nos primórdios da sociedade adultocêntrica e autoritária, na tortura praticada por antigos religiosos para com as bruxas e loucos na Idade Média, (disciplinados a chibatadas, amarrados, queimados na fogueira), no método pedagógico-disciplinar trazido pelos padres Jesuítas para catequisar os índios durante o descobrimento do Brasil (corrigindo a “natureza pecaminosa” através da agressão para coloca-los no “bom caminho”). O disciplinamento corporal se enquadra como violência física doméstica contra Crianças e Adolescentes (AZEVEDO, 1989; CARDOSO, 2011; LONGO, 2003; LONGO, 2005; MELLO, 2008).

O disciplinamento corporal doméstico é fundamentado em um relação de desvalor da criança e dominação do adulto, onde o adulto acredita ter direito e dever de maltratar a criança, intimidá-la, na justificativa de para supostamente educá-la. Gritar, bater, chutar, beliscar... são atos violentos e que ao invés de educar, igualam a criança a um objeto e tiram delas o direito de igualdade, de liberdade, de serem autônomas e ativas nas decisões relacionadas a sua vida. Imagina como seria o mundo se todo mundo batesse em todo mundo? Seria uma calamidade! (AZEVEDO, 2017; LONGO, 2003; PATIAS, 2011; RIBEIRO, 2012; WEBER,2001)

Bater é um ato de covardia e humilhação, que demonstra desequilíbrio emocional por parte de quem bate. A figura de pai e mãe inspira, desde os primeiros dias de vida da criança, sentimentos de amor, proteção, justiça. A medida que essa criança vivencia a violência praticada pelos pais (justificada como método educacional), ela percebe que toda a expectativa que tinha em relação a esses pais não correspondem à realidade, gerando frustação, insegurança, medo, revolta, ódio (AZEVEDO, 2017; LONGO, 2003; LONGO, 2005; MELLO, 2008; PATIAS, 2011; RIBEIRO, 2012; WEBER,2001).

Para que a criança siga os limites (normas e regras) colocados pelos pais, é necessário o desenvolvimento moral. O desenvolvimento moral acontece quando a criança desenvolve a habilidade de compreender seus deveres e responsabilidades, regras. Piaget apresenta três fases do desenvolvimento moral na infância: A anomia, heteronomia e autonomia. A criança nasce em anomia, ela não tem conhecimento moral, então faz as coisas pela imitação, pela busca de satisfação motora e não pela compreensão da finalidade. Ela ainda não entende que há um objetivo, uma justificativa para se seguir as regras, a criança só repete as regras colocadas pelos adultos (FINI, 1991; FONTANIVE, 2017; LEPRE, 2013; PEREIRA; CAETANO, 2012; SAMPAIO, 2007; ZENI,2012).

Com o tempo, a interação social desenvolvida com outras crianças, desperta nela a percepção da existência de regras (por volta dos 5 anos de idade), o interesse em seguir as regras estabelecidas. A criança percebe essas regras como sagradas e impossível de mudança. Nesta fase as crianças fazem as coisas conforme autoridade do adulto, por medo de repressão, caso desobedeçam. Na fase de Autonomia (por volta dos 10 anos e idade), a criança segue com consciência as regras, faz as coisas conforme as regras, com discernimento e respeito, tem a liberdade de seguir as regras porque sabe a importância de cumpri-las e para viver em sociedade, é capaz de questionar e sugerir modificações, pois compreende que elas podem ser modificadas desde que haja cooperação entre todos os envolvidos. É neste momento de autonomia que acontece a organização da realidade social, moral e racional (ARAÚJO, 2007;

As raízes da educação moral estão, a princípio, na relação com a família. Enquanto a educação violenta oferecida pelos pais aprisiona a criança na fase de heteronomia, a educação não violenta propicia a autonomia, o amadurecimento intelectual e moral da criança, a faz desenvolver relações sociais saudáveis, superar a submissão, refletir sobre suas ações, respeitar. Se o desenvolvimento da criança ficar pausado na educação violenta, essa criança nunca terá consciência da sua importância no mundo, porque sua personalidade estará construída com base na dependência do adulto, no medo da agressão (ARAÚJO, 2007; ARAÚJO; SPERB, 2009; BASTOS, 2014;


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, G.B. Limites na educação infantil: As representações sociais de pais e professores. 2007. 84f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

ARAÚJO, G.B.; SPERB, T.M. Crianças e a construção de limites: narrativas de mães e professoras.

AZEVEDO, M.A.

AZEVEDO, R.N. Da punição corporal ao abuso físico de crianças/adolescentes: caracterização, níveis de gravidade e variáveis psicossociais associadas. 2017. 201f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2017.

BASTOS, C.Z.A. O desenvolvimento moral na educação infantil: Contribuições da literatura infantil e dos jogos dramáticos e teatrais. 2014. 147f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Marília, 2014.

CARDOSO, J.T. Disciplinamento corporal: as relações de poder nas práticas escolares cotidianas. 2011. 118f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual Paulista, Marília, 2011.

FINI, L.D.T. Desenvolvimento moral: de Piaget a Kohlberg. Perspectiva, Florianópolis, v.9, n.16, p.58-78, 1991.

FONTANIVE, M.C. Desenvolvimento Moral e Cooperação no juízo moral na criança de Piaget. 2017. 75f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2017.

LEPRE, R.M. Educação moral na escola: Caminhos para a construção da Cidadania.

LONGO, C.S. A Punição Corporal Doméstica de Crianças e Adolescentes. 2002. 225f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

LONGO, C.S. Ética disciplinar e punições corporais na infância.

MELLO, A. C. C. Queremos respeito: guia para crianças, adolescentes e quem lida com eles. São Paulo: SEADS, 2008.

NAKANO, J.V.C.; OLIVEIRA, F.N. O desenvolvimento moral e a noção de justiça em pesquisas brasileiras apoiadas na perspectiva Piagetiana: Revisão de literatura.

PATIAS, N.D.; SIQUEIRA, A.C.; DIAS, A.C.G. Bater não educa ninguém! Práticas educativas parentais coercitivas e suas repercussões no contexto escolar.

PEREIRA, M.R.; CAETANO, L.M. A construção das regras e o desenvolvimento moral da criança: o papel do educador. IN: Semana de Pedagogia da UEM, 2012, Maringá. Anais. Maringá, v.1, n.1, p. 1-12.

RIBEIRO, J.M.L. Uso da Palmada como Ferramenta Pedagógica no Contexto Familiar: Mania de Bater ou Desconhecimento de Outra Estratégia de Educação?

SAMPAIO, L.R. A Psicologia e a Educação Moral.

WEBER, L. N. D. Quem ensina a violência?

ZENI, T.M. A construção de limites através dos vínculos afetivos. 2012. 56 f. Monografia (conclusão do Curso da Graduação em Pedagogia) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijui, 2012. 



Texto elaborado pela acadêmica do curso de graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG – Cajazeiras), Francisca Patricia da Silva Lopes, sob orientação da professora Dr.ª Silvia Carla Conceição Massagli, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS – Laranjeiras do Sul).


    Uma realização:

      


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