A Epidemia de HIV na Terceira Idade – Envelhecimento, Sexualidade e Vulnerabilidade
Dia do Idoso alerta para o aumento nos casos de HIV na terceira idade. Fonte: De Fato Online
Envelhecimento humano e sexualidade
O envelhecimento é um processo natural da vida, o qual é marcado por mudanças físicas, emocionais, subjetivas e sexuais, que são influenciadas pelo contexto social em que o indivíduo se encontra (Crema; Tilio, 2021). A qualidade de vida na terceira idade é alcançada com base em boas relações sociais, atividades recreativas, satisfação, bem-estar com aspectos do meio social e do meio ambiente, boas condições financeiras e acesso à informação (Esteve-Clavero et al., 2018).
A relação entre envelhecimento e saúde gera inúmeras discussões acerca do que poderia ser feito diante das necessidades dos idosos frente ao atendimento de saúde, neste sentido a atenção ao público da terceira idade deve ser organizada de forma integrada, com cuidados coordenados durante a assistência (Veras; Oliveira, 2018). Com base em perfis epidemiológicos do país, os problemas de saúde mais recorrentes da população idosa são doenças crônicas, problemas de saúde agudos com origens externas e agravamento de enfermidades crônicas (Brasil, 2024). A partir disso, é possível evidenciar hábitos que auxiliam de forma preventiva o aparecimento de doenças crônicas na terceira idade, como alimentação saudável, atividades físicas e a não utilização de tabaco, como também acompanhamento médico, exames de rotina, vacinação e, em casos de enfermidade, ter boa gestão do processo patológico (Tavares et al., 2017).
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) define o envelhecimento saudável como “um processo contínuo de otimização da habilidade funcional e de oportunidades para manter e melhorar a saúde física e mental, promovendo independência e qualidade de vida ao longo da vida”. No Brasil, foi instaurada a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI) por meio da Portaria nº 1395/1999, do Ministério da Saúde, que garante “a promoção do envelhecimento saudável, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde, a preservação, melhoria e reabilitação da capacidade funcional dos idosos com a finalidade de assegurar-lhes sua permanência no meio e sociedade em que vivem, desempenhando suas atividades de maneira independente” (Veras; Oliveira, 2018).
O aumento da longevidade associada a essa melhora na qualidade de vida da população e a evolução tecnológica das indústrias farmacêuticas são fatores que podem estimular o prolongamento da vida sexual na terceira idade. Atualmente, há uma ampla gama de produtos com objetivo de facilitar a relação sexual, como estimulantes de ereção, repositores hormonais e lubrificantes íntimos. Em consequência disso, os idosos vêm desenvolvendo novas experiências no campo sexual (Mendonça et al., 2020; Santos et al., 2021).
Quando se fala em sexualidade na terceira idade, é perceptível o estigma presente na sociedade quanto a esta temática. Muitos consideram que neste período é inexistente a prática de atividade sexual, o que acaba por inibir a vida sexual de muitos idosos, que deixam de satisfazer os seus desejos por culpa e medo do julgamento da sociedade, que ainda manifesta preconceito em relação às práticas sexuais na terceira idade (Vieira et al., 2016). Apesar de ter havido diminuição desses tabus, a sexualidade dos idosos ainda é alvo de preconceito, em especial, dos profissionais da saúde e dos seus familiares (Souza et al., 2016).
Segundo Pascual (2002), na sociedade atual, o conceito de envelhecimento está atrelado a algo negativo e frustrante, em especial no âmbito sexual. Tal prerrogativa leva o idoso a muitas vezes se sentir deprimido e solitário, gerando grande impacto não só na sua vida sexual, como também interferindo diretamente na sua qualidade de vida. Dessa forma, ajuda a intensificar o sentimento de que o envelhecimento é uma fase assexuada da vida do ser humano, desencadeando uma série de impactos negativos na vida desses idosos (Dantas et al, 2017).
Em contraponto, o exercício de uma sexualidade saudável para a pessoa idosa é algo fundamental para manter as relações sociais saudáveis, auxiliar na auto estima e na saúde mental (Srinivasan et al., 2019). Além disso, mantém a vivacidade do idoso, impactando tanto na sua saúde física, como também na forma de encarar os problemas e tabus associados à terceira idade (Skałacka et al., 2019).
Epidemiologia do HIV/Aids na atualidade
Entre 1980 e junho de 2021, o Brasil registrou um total de 1.045.355 casos de AIDS, incluindo 32.701 novas infecções por HIV e 29.917 casos de AIDS somente em 2021, resultando em uma taxa de detecção de 14,1 casos por 100.000 habitantes. No período de 2007 a 2020, foram reportados 27.856 novos casos de HIV/AIDS entre idosos no país, dos quais 5.207 ocorreram na região Nordeste (Ministério da Saúde, 2021).
Segundo a análise realizada por Silva, Sousa e Oliveira (2021), o coeficiente de incidência de HIV/AIDS entre homens idosos no Brasil foi de 10,3 por 100.000 habitantes em 2007, diminuindo para 9,6 em 2020. Na região Nordeste, a taxa aumentou de 6,7 em 2007 para 8,7 em 2020. Em contraste, para as mulheres idosas no Brasil, a taxa de incidência foi de 5,3 por 100.000 habitantes em 2007 e reduziu-se para 4,7 em 2020. Na região Nordeste, a taxa era de 2,3 em 2007.
A taxa média de incidência de HIV/AIDS no Brasil foi de 9,5 casos por cada 100.000 habitantes, enquanto na região Nordeste foi de 6,7 para 100.000. Além disso, os dados indicam que a taxa de incidência foi aproximadamente duas vezes maior entre os homens em comparação com as mulheres. A tendência da taxa de incidência permaneceu estável tanto para a população geral quanto para os diferentes sexos no país (Silva et. al, 2021).
Em relação às categorias de exposição ao HIV/AIDS entre idosos, observou-se que as relações heterossexuais foram responsáveis pela maior parte dos casos no Brasil, com uma prevalência de 42,8%. As categorias homossexual e bissexual apresentaram porcentagens menores, de 3,5% e 2,2%, respectivamente. Além disso, o uso de drogas injetáveis e a transmissão vertical também foram identificados como fatores frequentes (Silva et. al, 2021). Portanto, atualmente, a maioria das pessoas afetadas pelo HIV são heterossexuais, e o conceito de "grupo de risco" foi substituído pela abordagem focada em comportamentos de risco e vulnerabilidades (UNAIDS, 2019).
Vulnerabilidade à infecção pelo HIV/Aids na Terceira Idade
Apesar da compreensão sobre o prolongamento da vida sexual na terceira idade, socialmente, dá-se pouco espaço para que o idoso se expresse sobre sua sexualidade, o que acaba por dificultar o acesso dessa população a informações que propiciem o exercício da atividade sexual de modo seguro e livre do risco de adquirir Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como o HIV/Aids (Mendonça et al., 2020).
A concepção social equivocada de que os idosos têm atividade sexual nula ou muito baixa traz consequências negativas inclusive para a relação com o profissional de saúde que acaba ignorando a sexualidade desse público, deixando de orientar o paciente idoso sobre estratégias de prevenção contra o HIV/Aids (Mendonça et al., 2020; Santos et al., 2021). Outro fator que pode contribuir para uma possível infecção é a não utilização de preservativo por esses indiíduos durante as relações sexuais, por não se sentirem vulneráveis ao HIV/Aids e, principalmente, por não terem sido orientados enquanto jovens a respeito da importância do uso do preservativo (Santos et al., 2021).
Desde a década de 1990, observa-se o aumento de casos de HIV/Aids em idosos. Esse crescimento tem sido atribuído a aspectos socioeconômicos como: condição econômica desfavorável. baixa percepção do risco de adquirir a infecção, prática de sexo sem uso de preservativo e falta de informação sobre a doença. O preservativo, muitas vezes, deixa de ser usado devido a falta de informação e tabus que permeiam o seu uso, como a associação à infidelidade conjugal ou à diminuição da sensação de prazer durante a relação sexual (Santos et al., 2021). O uso do preservativo nas relações sexuais, muitas vezes, só começa após a descoberta da infecção pelo HIV e, em alguns casos, nem isso. Os idosos negam as formas de prevenção devido a um modo de comportamento mais reservado, medo da discriminação e a crença de que o uso de métodos preventivos durante a relação não diminuem a exposição (Nierotka; Ferretti, 2021).
Além disso, a descoberta do diagnóstico de infecção pelo HIV no paciente idoso ocorre geralmente de forma tardia, com o surgimento de sinais e sintomas sugestivos do vírus após extensa investigação e exclusão de outras doenças comuns na pessoa idosa, grande parte das vezes, em serviços de atenção secundária e terciária à saúde, quando deveria ocorrer na atenção primária. O quadro clínico inespecífico pode ser confundido com outras comorbidades decorrentes do processo de envelhecimento, retardando o diagnóstico (Mendonça et al., 2020; Nierotka; Ferretti, 2021).
Para o idoso que descobre a infecção pelo HIV/Aids, o desconhecimento da patologia influencia negativamente o processo de aceitação de sua condição sorológica, o que pode ocasionar o abandono do tratamento, déficit no autocuidado e a não utilização do preservativo durante as relações sexuais. A não aceitação da condição sorológica positiva para o HIV, leva o idoso a não se comprometer com os cuidados necessários após a infecção, tornando-o vulnerável também a outras patologias (Nierotka; Ferretti, 2021).
Assim, ressalta-se que a ausência de políticas públicas de educação e prevenção contra HIV/Aids e outras IST na população idosa e o desconhecimento dos profissionais de saúde quanto a saúde sexual desse público dificultam a abordagem e o diálogo sobre sexualidade, tornando assim os idosos mais vulneráveis a esse agravo, podendo resultar em diagnóstico e tratamento tardios.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da pessoa idosa. Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-pessoa-idosa>. Acesso em: 01 de setembro de 2024.
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