O impacto do racismo estrutural na resposta ao HIV/AIDS
A forma como ocorreu o processo de colonização do Brasil e o sistema escravocrata abolido somente em 1888, moldaram a forma como a sociedade brasileira é organizada no que tange à desigualdade no tratamento dos diversos grupos populacionais de acordo com raça/etnia. Esse processo estrutural da nação favorece as iniquidades raciais nos âmbitos social, econômico e cultural, institucionalizando a prática do racismo no cotidiano (Santos et al., 2024).
Nos últimos anos, no Brasil, houve um aumento do número de pessoas que se autodeclararam de cor/raça negra (preta ou parda), correspondendo a mais da metade da população brasileira. Apesar da população negra ter vivenciado um aumento na renda per capita superior ao observado na população branca, a desigualdade se mantém brutal. Pessoas negras figuram como a maioria entre a população mais pobre do país. Além disso, apesar de ter havido um acréscimo no rendimento médio anual, em 2015, trabalhadores de cor/raça preta ou parda ganhavam pouco mais da metade que os trabalhadores de cor/raça branca (Brasil, 2017).
Pessoas negras possuem os piores indicadores de escolaridade, estão inseridos nos piores postos de trabalho e têm menos acesso a bens e serviços sociais. Estas desigualdades levam à miséria material, isolamento espacial e social, e restrições à participação política. O racismo fincou raízes profundas na cultura, no meio social e nos comportamentos da população brasileira; Para além disso, o racismo também se configura como um importante fator de violação de direitos e de produção de iniquidades, especialmente no campo da saúde (Batista; Monteiro; Medeiros, 2013).
O racismo estrutural impacta diretamente a saúde da população negra, reforçando desigualdades e dificultando o acesso a cuidados essenciais, como, por exemplo, a prevenção e o tratamento do HIV/AIDS (UNAIDS, 2022). Essas desigualdades se devem, em grande parte, a fatores históricos e sociais que limitam o acesso da população negra a serviços básicos e persiste o estigma e a discriminação nos atendimentos de saúde. Como aponta o UNAIDS, o racismo estrutural não é apenas um problema social, mas também uma questão de saúde pública, impactando o direito à saúde e à vida digna dessa população (UNAIDS, 2023).
De acordo com o Boletim epidemiológico temático sobre saúde da população negra, de 2023, quando se analisa a distribuição dos casos de AIDS nos últimos dez anos segundo o quesito raça/cor, considerando-se a proporção conjunta de pretos e pardos, observa-se aumento de 12 pontos percentuais na proporção de casos entre pessoas negras entre os anos de 2011 (50,3%) e 2021 (62,3%). Em relação ao sexo, dentre as pessoas pretas, a proporção de homens é mais elevada que a de mulheres em todo o período (Brasil, 2023).
Segundo o UNAIDS, no mesmo período, houve um aumento de 7,9% nas mortes relacionadas à AIDS entre pessoas negras, passando de 52,6% para 60,5%, enquanto entre pessoas brancas os números diminuíram (Brasil, 2023; UNAIDS, 2023). Esses dados mostram que essa população enfrenta maiores barreiras no acesso a diagnóstico precoce, tratamento e estratégias de prevenção.
No ano de 2021, dentre as pessoas menores de 14 anos notificadas com AIDS, a proporção de negros é superior a 70%, com 6,3% de pretos e 64,9% de pardos, fato que chama a atenção. Dentre os jovens de 15 a 29 anos, a proporção de negros é de 63,7%, com 13,2% de pretos e 50,5% de pardos. A menor proporção de pretos e pardos é na faixa etária de 50 anos e mais (Brasil, 2023).
Quando analisada a raça/cor associada a variável de gênero, observa-se que as mulheres pretas e pardas também apresentam um importante grau de vulnerabilidade ao HIV/AIDS. O número de casos de infecção pelo HIV entre pessoas negras grávidas saltou de 62,4%, em 2011, para 67,7%, em 2021, sendo que mulheres e jovens com idade entre 15 e 29 anos representam 69,6% dessas notificações (UNAIDS, 2023)
Os dados apresentados evidenciam que o racismo estrutural não apenas aprofunda as desigualdades sociais, mas também impacta diretamente os indicadores de saúde da população negra no Brasil. A desproporcionalidade nos casos de HIV/AIDS entre pessoas negras e brancas reflete a exclusão histórica enfrentada por essa população, manifesta em barreiras no acesso a serviços de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado. Esse cenário é ainda mais alarmante entre mulheres negras, jovens e crianças, que apresentam maior vulnerabilidade. Assim, a perpetuação dessas desigualdades expõe a necessidade de uma abordagem integrada e comprometida para enfrentar os desafios impostos pelo racismo na saúde.
Portanto, para reduzir as iniquidades, é indispensável o fortalecimento de políticas públicas antirracistas e a implementação de estratégias que priorizem territórios e populações vulneráveis. Além disso, é fundamental desconstruir práticas discriminatórias nos serviços de saúde e promover capacitação contínua para garantir um atendimento equitativo e humanizado. O enfrentamento do racismo estrutural é essencial não apenas para combater as disparidades no cuidado ao HIV/AIDS, mas também para assegurar o direito universal à saúde.
REFERÊNCIAS
BATISTA, L. E.; MONTEIRO, R. B.; MEDEIROS, R. A.. Iniquidades raciais e saúde: o ciclo da política de saúde da população negra. Saúde em Debate, v. 37, n. 99, p. 681–690, out. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/spQ7FXCVNsJsKyHn8JzWMvj/#. Acesso em: 19 nov. 2024.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. Ministério da Saúde: Brasília, 3ª ed., p. 44, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/equidade/publicacoes/populacao-negra/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf. Acesso em: 19 nov. 2024.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Boletim Epidemiológico: Saúde da População Negra. Ministério da Saúde: Brasília, v. 2, p. 57, 10 out. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2023/boletim-epidemiologico-saude-da-populacao-negra-numero-especial-vol-2-out.2023. Acesso em: 19 nov. 2024.
SANTOS, I. N. et al. O racismo estrutural e seu impacto na saúde do adolescente afrodescendente brasileiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], v. 34, e34025, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-7331202434025pt. Acesso em: 19 nov. 2024. ISSN 1809-4481.
UNAIDS. UNAIDS alerta que as desigualdades estão bloqueando o fim da pandemia de AIDS. UNAIDS, 29 nov. 2022. Disponível em: https://unaids.org.br/2022/11/unaids-alerta-que-as-desigualdades-estao-bloqueando-o-fim-da-pandemia-de-aids/. Acesso em: 19 nov. 2024.
UNAIDS. No Dia da Consciência Negra, o UNAIDS alerta para o impacto do racismo estrutural na resposta ao HIV. UNAIDS, 20 nov. 2023. Disponível em: https://unaids.org.br/2023/11/no-dia-da-consciencia-negra-o-unaids-alerta-para-o-impacto-do-racismo-estrutural-na-resposta-ao-hiv/. Acesso em: 19 nov. 2024.
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