As várias faces do alcoolismo e as estratégias para seu enfrentamento

O álcool, substância psicoativa com propriedades que causam dependência, tem sido amplamente utilizado em muitas culturas durante os séculos. Seu uso nocivo, conhecido amplamente como alcoolismo, tem um grande peso na carga de doenças diagnosticadas mundialmente, além de um ônus social e econômico para as sociedades.  Segundo a Folha informativa sobre o álcool da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS – (2015), seu uso está associado a mais de 200 doenças e lesões, sendo um dos principais fatores de mortes para pessoas que estão na faixa etária de 20 a 39 anos.
(FONTE: jornalpequeno.com.br/media/2018/02/descubre-los-paises-en-los-que-el-alcohol-esta-prohibido-y-aun-es-un-tabu-1024x718.jpg)
Criminalizado e considerado por muito tempo como uma doença que exigia internação e abstinência absoluta, o alcoolismo foi reinterpretado no último século e entendido como uma condição multifacetada dando ênfase a conceitos de dependência e uso nocivo das bebidas alcoólicas. Assim, tornaram-se necessárias abordagens que levam em consideração as diversas situações, que analisam o contexto vivido pelo indivíduo e a forma como o álcool influencia o mesmo para que possam ser feitos diagnósticos de intervenção corretos (SOUZA; MENANDRO; MENANDRO, 2015).

A dependência do álcool está associada diretamente à falta de controle no consumo dessa substância e o desejo extenso de seu uso mesmo com a presença de danos à saúde e convivência social. Essa situação é influenciada direta e indiretamente pelas relações do indivíduo com o meio em que se encontra inserido e a maneira como seu corpo interage com o álcool, uma vez que seu consumo causa mudanças nos neurotransmissores envolvidos na modulação do prazer, que são um dos fatores preponderantes para manutenção do perigoso quadro de dependência (EŞEL; DİNÇ, 2017).

O alcoolismo pode também ser caracterizado, fisiologicamente, como uma intoxicação crônica que afeta todo o organismo física e psicologicamente, que colabora com o decorrer do tempo para o desenvolvimento de um quadro crônico de amplo espectro, que atinge desde o sistema cardíaco e gastrointestinal (com destaque para o fígado) até o sistema nervoso do indivíduo e que podem apresentar alterações irreversíveis (REIS et al., 2014). O tratamento para esse quadro tem várias frentes, sendo necessário o acompanhamento pela equipe multiprofissional de saúde, atividades em grupo, um grande apoio familiar e força de vontade do indivíduo.

O acompanhamento pela equipe multiprofissional de saúde deve ser direcionado para intervir em situações que vão desde os sintomas físicos apresentados pelo paciente até as condições psicológicas, responsáveis em grande parte pelo quadro de dependência alcoólica. Esse acompanhamento deve estar junto a um apoio familiar que é um dos principais incentivos no alcance de metas para reversão do quadro, podendo estar incluído no apoio o encontro com grupos de outras pessoas que também estão trabalhando para o combate dessa situação (SOUZA; MENANDRO; MENANDRO, 2015).

O tratamento medicamentoso é uma importante ferramenta para a melhora no quadro de dependência, agindo diretamente sobre as condições que levam ao vício no álcool. Os principais medicamentos utilizados no tratamento ao alcoolismo são: o dissulfiram, responsável por interromper o metabolismo do álcool no corpo (já abordado no texto Metabolismo do Etanol no corpo humano publicado nesse Blog), deixando presentes metabólitos tóxicos causadores de um mal-estar generalizado que busca desencorajar o ato de beber; o acamprosato (utilizado como tratamento de primeira linha em diversos países junto à naltrexona), responsável por bloquear a ação do glutamato, um dos neurotransmissores envolvidos no mecanismo de recompensa ao beber, agindo diretamente na diminuição do prazer sentido pela ingestão da bebida alcoólica; e a naltrexona, que atua nos receptores opióides bloqueando a resposta aos estímulos positivos que seriam desencadeados pelo consumo de álcool (GOH; MORGAN, 2017)

A Organização Mundial da Saúde – OMS – (2014), através do seu “global status report on alcohol and health”, defende que o estado possa ter papel ativo no combate ao alcoolismo e consequências graves que o mesmo traz, exigindo uma maior regulamentação do comércio de bebidas, restrição da disponibilidade do álcool e redução da demanda através de mecanismo de tributação de preços e acima de tudo fomentar políticas públicas amplas que forneçam desde a educação em saúde até a investigação de possíveis casos perigosos e por fim um tratamento eficaz e acessível para toda a população almejando a recuperação e a redução de danos.

O alcoolismo apresenta-se como uma condição de saúde multifacetada capaz de causar danos graves a vida de um indivíduo. Sabendo disso, são necessárias diversas ações que busquem evitar o desenvolvimento dessa situação, principalmente em grupos de risco, possibilitando as pessoas o acesso a informação, aos meios de prevenção e quando se fizer necessário a um tratamento completo e seguro para reversão do quadro.

Referências
EŞEL, E.; DİNÇ K. Neurobiology of Alcohol Dependence and Implications on Treatment. Turkish Journal of Psychiatry. Ankara, v. 28, n.1, p. 51-60. 2017.

GOH, E. T.; MORGAN, M. Y. Review article: pharmacotherapy for alcohol dependence – the why, the what and the wherefore. Alimentary Pharmacology & Therapeutics. V. 45, n. 7. P. 865-882. 2017.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Folha informativa – Álcool. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5649:folha-informativa-alcool&Itemid=839. Acesso em: 10/11/18.

REIS, G. A. et. al. Alcoolismo e seu tratamento. Revista Científica do ITPAC, Araguaína, v.7, n.2, Pub.4, Abril. 2014.

SOUZA, L. G. S.; MENANDRO, M. C. S.; MENANDRO, Paulo Rogério Meira. O alcoolismo, suas causas e tratamento nas representações sociais de profissionais de Saúde da Família. Physis, Rio de Janeir,  v. 25, n. 4, p. 1335 -1360,  Dec.  2015.   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312015000401335&lng=en&nrm=iso>. access on  28  Sept.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312015000400015.


WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global status report on alcohol and health. Genebra, 2014. 392 p.

Texto elaborado pelo Acadêmico de Medicina Mateus Andrade e pelo Professor Dr. Éder Freire.

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