"Quem me roubou de mim?" Violência e relações que levam ao sofrimento

             Certo dia, quando eu ainda era adolescente, resolvi ler um livro que minha mãe tinha em casa. O livro em questão era "Quem me roubou de mim?" do Pe. Fábio de Melo. Decidi mencionar ele porque o usei como uma das minhas leituras para construir este texto.

Desde a primeira vez que o li, alguns pontos chamaram minha atenção e chamam até hoje. Assim, gostaria de compartilhar com vocês.

Eu sei que todos devem estar familiarizados com o conceito de algum tipo de violência e muitos de vocês devem saber que existem vários tipos, mas não vou me atentar em especificar nenhuma delas, até mesmo porque isso já foi abordado anteriormente.

Minha intenção hoje é provocar uma reflexão e não somente fornecer outro texto científico. Logo, resolvi falar sobre dois termos da violência que me chamaram atenção: "violência declarada" e "violência velada".

Talvez alguns de vocês somente ao ler esses termos, podem ter uma ideia sobre o que se tratam. Ainda assim, vamos esclarecer um pouco, de forma simples.

A violência declarada é aquele tipo que se reflete no corpo, através das marcas deixadas pelo agressor. Mais propriamente o que podemos chamar, de forma mais simples, de violência física.

A violência velada, por outro lado, traz um conceito mais profundo do ato de violência. Nela, você não irá enxergar marcas físicas no corpo da vítima, pois a agressão que ela sofre ultrapassa isso. Trata-se de um tipo de violência mais complexa, quando as marcas não são deixadas no corpo e sim na alma.

É curioso falar sobre isso em uma página científica, ainda mais quando muitas pessoas não possuem as mesmas crenças que eu, então me deixem colocar de uma forma melhor: é o tipo de violência que marca profundamente o emocional, a saúde mental e muitas vezes está lá há tanto tempo, que as próprias vítimas não se percebem como tal.

Para muitos, não é uma forma de agressão e diante dessa forma de pensamento, a vítima permite que o agressor continue a dominando. E assim, ela vai se perdendo um pouco mais, se submetendo às vontades do agressor, deixando que ele a impeça de florescer, roubando cada vez mais um pouco da sua personalidade. Até chegar ao ponto da pessoa esquecer sua própria identidade, sem sequer perceber.

E quando percebem, na maioria das vezes já é tarde demais. A pessoa já foi vítima por tanto tempo, que no dia em que ela se torna livre, é como se as correntes que a mantinham presa ainda estivessem lá.

No livro, Pe. Fábio de Melo menciona uma mulher que perdeu o marido de forma trágica e mesmo se sentindo aliviada por se ver livre de seu agressor, ao mesmo tempo se sentia ansiosa, como se ele fosse voltar a qualquer momento. Ele ainda a dominava mesmo sem estar lá. Mas antes dele, o seu pai foi seu primeiro agressor, impedindo-a de seguir a profissão dos seus sonhos.

E eu, concordo com Pe. Fábio de Melo quando ele diz que essa é uma das piores formas de agressão que pode existir: alguém te impedir de ser quem você é. Parece algo bastante complexo, mas se você parar para pensar é mais comum do que se imagina.  

Talvez se eu mencionar o termo relacionamento tóxico, isso se torne mais fácil de entender. A primeira coisa que muitos pensam quando ouvem esse termo é em uma relação entre duas pessoas envolvidas romanticamente. Casais de namorados, maridos e esposas. No entanto, devemos lembrar que o conceito de relacionamento tóxico é bem mais amplo que isso. Você pode estar envolvido em um e nem ao menos perceber.

Talvez a pessoa que lhe faça mal seja a sua melhor amiga, ou o seu pai, sua mãe ou seu irmão. Não há limites para pessoas envolvidas. O agressor e a vítima podem ser qualquer um, inclusive você.

Alguma vez você já se perguntou se está roubando a identidade de alguém ou se a sua está sendo roubada? Querer moldar alguém ou se moldar para satisfazer outra pessoa é um exemplo disso. Ainda mais quando se trata de duas pessoas envolvidas emocionalmente.

Muitos casos de violência são omitidos por medo. Medo não somente de acontecer algo pior do que antes, mas medo da separação.

É comum, por exemplo, vermos idosos que sofrem em casa algum tipo de violência dos próprios familiares, mas omitem por medo do abandono. Para muitos, ficar longe da família é pior do que ser violentado, fisicamente ou emocionalmente falando.

Em "Quem me roubou de mim?" há a história de uma mulher que por anos sofreu agressões físicas e emocionais do marido. Casou-se com ele e por mais de trinta anos escondeu as agressões que sofria de toda a família, até mesmo dos filhos.

Foi impossível não chorar quando li. As agressões só vieram a ser descobertas porque um vizinho ouviu objetos sendo quebrados. Mesmo assim, a mulher não se separou do agressor. Tinha medo de perdê-lo. Já estava envolvida demais, dominada demais por aquele relacionamento que ela mesma alimentou ao se permitir ser agredida.

Você talvez deva estar se perguntando por que há vítimas que agem assim? A resposta é um tanto complicada, já que muitas não escolhem aquilo, mas sim estão presas ao agressor, como no caso da mulher que foi citada. Parece surreal que alguém prefira passar por tanta coisa ruim ao invés se se afastar de quem a faz mal, mas infelizmente é o que acontece.

A pessoa se acostuma com a dor e tolera o quanto pode. E é muito triste pensar que muitos, talvez a maioria dos casos de violência não são denunciados por causa do medo das vítimas. Medo de acontecer algo pior ao irritar o agressor, medo de serem abandonadas ou, ainda, de serem julgadas pela sociedade.

As vítimas muitas vezes não tem coragem de denunciar seu sofrimento ou pedir ajuda. Resta então aos profissionais de saúde e as pessoas próximas a ela atentarem para qualquer tipo de suspeita, embora alguns desses ainda se sintam receosos em comentar sobre algo.

Por muitas vezes, vizinhos, amigos ou mesmo familiares preferem não se intrometer. E a esses eu deixo um pequeno questionamento: você acha justo deixar que uma pessoa sofra apenas porque você não quer causar nenhum atrito entre você e o agressor dela?

Ao invés de pensar que "prefere não se intrometer", pense que você pode estar salvando uma vida. Não hesite em denunciar. Lembre-se: nem todo caso de violência apresenta marcas pelo corpo.

Autora: Enfª. Alêssa Cristina Meireles de Brito

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