Análise da prática de Jejum prolongado (intermitente) como conduta nutricional realizada no cuidado com a Diabetes Mellitus


A diabetes é um distúrbio no metabolismo da glicosecapaz de causar complicações clínicas e danos irreversíveis ao longo da vida. Esse distúrbio atinge aproximadamente 415 milhões de adultos em todo o mundo com números que crescem a cada ano (INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2015).


(FONTE: https://ichef.bbci.co.uk/news/660/cpsprodpb/73A6/production/_107060692_gettyimages-1036009278-2.jpg)



O cuidado nutricional é um dos elementos principais, em conjunto com mudanças dos hábitos de vida e, quando necessário, o uso de medicação, no tratamento da diabetes. Esse tipo de intervenção é capaz de colaborar na manutenção do quadro clínico estável do paciente, prevenindo desenvolvimento de complicações (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2017).

Uma dieta adequada consiste em assegurar todas as necessidades nutricionais do paciente que deve ser composta por alimentos saudáveis e de fácil acesso, composta pelos macronutrientes e micronutrientes (carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas, sais, dentre outros). É recomendável que o plano alimentar possua de 5 a 6 refeições diárias, evitando “beliscar” entre elas, das quais três são principais e as demais compostas por lanches (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017).

Baseado na importância do tratamento nutricional, vem surgindo na mídia e principalmente na internet, local onde as informações não apresentam nenhum tipo de filtro de conteúdo, novas dietas tidas como “milagrosas” que prometem a cura da diabetes sem o uso de insulinoterapia, medicamentos ou mudança de hábitos, sendo baseada única e exclusivamente no chamado jejum intermitente -caracterizado por um jejum de 18 à 20 horas por dia. Esse tipo de conduta acaba expondo os indivíduos a diversos riscos já que o jejum prolongado provoca alterações diretas no metabolismo energético. Com o esgotamento das reservas de glicogênio, que ocorre nas primeiras horas de jejum, o organismo não consegue controlar a queda do nível sanguíneo de glicose (açúcar) e promove o uso de proteínas (na forma de aminoácidos) e Gorduras (na forma de ácidos graxos) como formas de produzir novas moléculas de glicose, essenciais para o cérebro, e energia na forma de ATP (NELSON; COX, 2014).

As alterações glicêmicas (níveis de açúcar no sangue) causadas pelo jejum podem evoluir para emergências glicêmicas, que constituem importantes causas de morbimortalidade no mundo, e que possui como tipos mais comuns a hipoglicemia e a hiperglicemia derivada da Cetoacidose Diabética. Essas complicações metabólicas são mais prevalentes em pacientes com Diabetes Mellitus e serão abordas a seguir(CUNHA; LUCAS; ZANELLA, 2016).

A hipoglicemia pode ser caracterizada como um episódio de concentração plasmática de glicose anormalmente baixa - para diabéticos esse valor é de ≤ 70 mg/dL5 (HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS, 2018). Esse quadro é causado pela falta da ingestão de alimentos (jejum)podendo causar aumento de eventos cardiovasculares, neurológicos e nos casos mais graves risco de morte (PERREIRA; TAVARES; CARVALHO, 2016).

Enquanto a cetoacidose diabética é um distúrbio em que ocorre hiperglicemia, acidose metabólica, desidratação e cetose. Esses eventos acontecem devido ao desvio no metabolismo corporal, que não dispondo de glicose começa a oxidar gorduras, aumentando a produção de NADH inibindo o Ciclo de Krebs e acumulando Acetil-CoA, que se transforma nos chamados corpos cetônicos (acetoacetato, beta-hidroxibutirato  e acetona) responsáveis pelo quadro de cetoacidose diabética  (FERRETTO JUNIOR, 2018; NELSON; COX, 2014)

A diminuição do PH sanguíneo e dos tecidos (acidose) causada pela produção de corpos cetônicos pode interferir diretamente com a estrutura das proteínas do organismo e o correto funcionamento corporal. Ocasionando sintomas como anorexia, náuseas e vômitos, desidratação, cefaleia, mal-estar, parestesia e dor abdominal que podem evoluir para alterações do nível de consciência e em casos não tratados coma e até morte (LOPES et al., 2017).

Por isso em emergências glicêmicas é importante manter aporte suficiente de carboidratos, hidratação e níveis adequados de insulina. Sendo imprescindível a atuação da equipe multiprofissional de saúde com a presença do nutricionista como forma de montar uma dieta capaz de manter todas as necessidades, tanto nutricionais quanto circunstanciais, do paciente (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2017).

Aliado a essas intervenções está a educação em saúde, que como mostrado em um estudo realizado em uma Estratégia de Saúde da Família em Minas Gerais, mais da metade dos entrevistados não souberam responder o que leva a hipoglicemia, a cetoacidose diabética e nem que atitudes deveriam ser tomadas frente a esse quadro (GONÇALVES et al., 2017). Assim, torna-se evidente a importância da educação em saúde voltada ao empoderamento do indivíduo portador da diabetes, uma vez que ele deve possuir conhecimento básico suficiente acerca do seu quadro para realizar uma avaliação crítica das informações que chagam até ele de modo que possa adotar medidas eficazes para manutenção da sua saúde. Assim, baseado nas informações de fontes confiáveis e da equipe multiprofissional de saúde o indivíduo com diabetes deve ser capaz de realizar uma análise crítica das informações que recebe e evitar dietas milagrosas que envolvem hábitos perigosos como o jejum prolongado.

Referências:

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Standards of medical care in diabetes – 2019.Diabetes Care, v. 42 (Supplement 1) S1-S2, 2019.

CUNHA, Bruna Santos da; LUCAS, Luiza Silveira; ZANELLA, Maria José Borsatto. Emergências glicêmicas. Acta méd, Porto Alegre, v. 37, n. 7, 2016.

FERRETTO JUNIOR, Túlio Roberto. Cetoacidose Diabética (Cad) no Paciente Pediátrico.REVISTA UNIPLAC, Lages-SC, v. 6, n.1, 2018.

GONÇALVES, N. E. X. M. et al.Conhecimento de indivíduos com diabetes mellitus na Estratégia de Saúde da FamíliaRev. enferm. UFPE online, Recife, v. 11, n. 7, p. 2779-2787, 2017.

GOOGLE. Plano de palavras-chaves. Disponível em: https://ads.google.com/aw/keywordplanner/ideas/new?ocid=355940603&__c=6963486947&authuser=1&__u=7773258135. Acesso em:25/08/19.

HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS. Protocolo de Diagnóstico e Tratamento da Hipoglicemia Documentação Operacional HSL-PROT-CORP-011/REV.03. Disponível em: https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/institucional/gestao-da-qualidade/Documents/2018-11-01-protocolos/Protocolo%20de%20Diagn%C3%B3stico%20e%20Tratamento%20da%20Hipoglicemia/Protocolo%20Hipoglicemia_VF.pdf. Acesso em: 25/08/19.

INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. Atlas de la Diabetes de la FID. Bélgica: FID; 2015.

LOPES, C.L.S.et al. Cetoacidose diabética em uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Jornal de Pediatria [enlinea]., v. 93, n. 2, p. 179-184, 2017.Disponibleen: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=399750117011. Acesso em: 25/08/19

NELSON, D. L.; COX, M. M. Regulação Hormonal e Integraçãodo Metabolismo em Mamíferos. In: NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehnninger. Porto Alegre: Artmed, 2011. cap. 23, p. 929-75.

PEREIRA,M. T;TAVARES, H. M; CARVALHO, A. C. O Impacto da Hipoglicemia no Resultado Clínico de Doentes Diabéticos Não-críticos Internados em Serviços Médicos.Revista Portuguesa de Diabetes. Lisboa, v. 11,n. 1, p. 3-9, 2016.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Editora Clannad, 2017

Texto elaborado pelo acadêmico de Medicina Mateus Andrade Ferreira e pela Professora Dra. Rafaelle Cavalcante Lira 

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