Bioquímica da tristeza e o mal-estar pós modernidade
“Tristeza, por favor, vai embora, a minha alma que chora,
está vendo o meu fim. Fez do meu coração a sua moradia, já é demais o meu
penar. Quero voltar aquela vida de alegria. Quero de novo cantar.”
Vinícius de Moraes
Muito tem se confundido a tristeza com a depressão. No
entanto, é imprescindível esmiuçar as diferenças entre esses dois processos. A
primeira é considerada de natureza fisiológica, ou seja, faz parte do conjunto
de emoções que acometem os seres humanos ao longo de sua vida emotiva. A
depressão, por sua vez, é considerada patológica, e está relacionada a diversas
desordens neuropsicosociais.
Sendo assim, a tristeza permeia a vida psicoemotiva de
todos os seres humanos e trata-se, sobretudo de uma resposta às situações de
luto, perda, derrota, desapontamento, insatisfação, vazio, solidão, entre
outras circunstâncias.
Numa perspectiva evolucionária, está relacionada à
economia de energia, na qual por meio do retraimento e isolamento, prepara o
organismo para um possível futuro desgastante. Vários autores relatam a
correlação entre disfunções emocionais e perturbações das funções
neurocognitivas, de modo que são percebidos déficits em áreas estratégicas do
cérebro, incluindo regiões límbicas.
Pessoas tristes ou deprimidas apresentam diminuição na
concentração de um conjunto de moléculas que chamamos de monoaminas
(serotonina, noradrenalina e dopamina). Essa descoberta deu origem à famosa
“teoria das monoaminas” que busca explicar a etiologia biológica da tristeza e
da depressão. A redução desses neurotransmissores causa desânimo, perda da
concentração, instabilidade do humor, irritabilidade, dentre outros sintomas
característicos desses estados afetivos.
Na tentativa de resolver esses quadros, em 1988,
lançou-se nos Estados Unidos um fármaco chamado de Fluoxetina, comercializado e
conhecido mais precisamente por Prozac. Ele foi destaque na capa da Newsweek e
permanece sendo o medicamento antidepressivo mais amplamente prescrito na história
mundial, tendo sido usado por mais de 54 milhões de pessoas em 90 países (WROBEL, 2007).
A principal característica que difere a tristeza da
depressão é o fato de a tristeza estar ligada a situações passageiras da vida,
enquanto que a depressão se trata de um estado profundo e persistente de
desânimo, onde há perda de prazer nas atividades de vida diária, causando
desequilíbrio e danos na rotina da pessoa acometida.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que em 2030 a
depressão será apontada como a doença mais comum do mundo, superando as
desordens cardiovasculares e o câncer. Nesse sentido, para Castro, 2013, “vivemos
uma espécie de epidemia de mal-estar: há mais pessoas deprimidas do que nunca.
Ironicamente, justo em uma época em que a busca pela felicidade é algo quase
obrigatório”.
Além disso, muitos estudos sugerem que essa “epidemia de
mal-estar” pode estar relacionada ao estresse associado ao estilo de vida pós
modernidade. Em resposta a fatores externos da sociedade atual (tais como
engarrafamentos, poluição e problemas financeiros) o organismo produz os
chamados hormônios do estresse, que em excesso podem alterar a bioquímica do
cérebro e culminar em estados depressivos.
Existem dois principais hormônios do estresse, os glicocorticóides (chamados
de corticosterona em animais, e cortisol em humanos), e as catecolaminas
(epinefrina e norepinefrina). A liberação de hormônios do estresse se dá por meio da ativação de
um eixo neuroendócrino nomeado de eixo hipotálamo-pituitário-adrenal (HPA).
(BERNER & LEVY, 2009).
Em situações interpretadas como estressantes, o eixo HPA é acionado, fazendo com que os neurônios do hipotálamo liberem o hormônio liberador de corticotrofina (CRH). A liberação dessa molécula desencadeia a secreção e liberação de outro
hormônio chamado adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise anterior, também
localizada no cérebro. Quando o ACTH é secretado pela hipófise, ele entra na corrente sanguínea até encontrar as glândulas
supra-renais, que estão localizadas acima dos rins, provocando a secreção dos
chamados hormônios do estresse. (CENTRE FOR STUDIES ON HUMAN STRESS, 2007).
Figura 1.0 –
Resposta ao estresse por meio da ativação do eixo HPA
A bioquímica,
neurociência e neurobiologia muito tem a aprender ainda acerca dos processos
envolvidos com as manifestações da tristeza e da depressão. A certeza que temos
é que se trata de um processo complexo, permeado de nuances afetivas que recheiam
a vida afetiva dos seres humanos. Afinal, quem pode negar a complexidade desse
estado que todo mundo sente ou já sentiu, mas que ninguém sabe explicar ao
certo o por quê?
Referências
BERNER, R.;
LEVY, M. Fisiologia. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2009.
CASTRO, Carol. Como lidar com a tristeza. Junho de 2013.
Disponível em: http://super.abril.com.br/comportamento/como-lidar-com-a-tristeza.
Acesso em 05 de dezembro de 2015.
CENTRE FOR
STUDIES ON HUMAN STRESS. How to measure stress in humans? Fernand-Seguin Research Centre of
Louis-H. Lafontaine Hospital, Quebec, Canada, 2007.
WROBEL, Sylvia. Science,
serotonin, and sadness: the biology of antidepressants. The FASEB
Journal. vol. 21 n.
13 3404-3417. November, 2007.
Texto elaborado pela Acadêmica de Enfermagem Paloma Gurgel e pelo Professor Dr. Éder Freire.
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