Juventude e saúde mental: o que está acontecendo com a onda de ataques violentos nas escolas?
A tentativa de encontrar uma causalidade única para um
fenômeno tão impactante é inútil e perigosa. É difícil fazer avaliações psicológicas sem
conhecer os indivíduos e ainda podemos incorrer a ideia que a culpabilidade
para essas ações sejam individuais. Eleger um elemento da realidade como causa
seria acobertar a multiplicidade que produz um fenômeno de estudo: a violência.
Então, como explicar o
fenômeno da violência dentro das escolas, que explodiu com atentados e mortes
perpetrados por jovens no Brasil?[1]
Podemos começar refletindo sobre o exponencial casos de
ameaças e ataques nas escolas e como a sociedade lida com vários tipos de
violência de maneira precária. Não resolvemos os problemas relacionais pela
mediação e pelo diálogo, mas sim pela violência. Portanto, a violência não é
individualizada, é social e coletiva. Temos aquela velha máxima “Mania de
bater”. Tudo se resolve pela agressão. Desta forma, vivemos em uma sociedade
altamente violenta. Uma
produção histórica de violências constitutivas da sociedade brasileira que cada vez mais estão
imersas num clima de medo, insegurança e dúvida.
Os discursos de ódio vêm
se estruturando no tecido social e no imaginário do brasileiro. O Discurso de Ódio é uma
forma de pensamento, fala e posicionamento social que incita à violência contra
diferentes grupos da sociedade.
Genericamente, esse discurso se caracteriza por incitar a discriminação contra pessoas que partilham de uma característica identitária comum, como a cor da pele, o gênero, a opção sexual, a nacionalidade, a religião, entre outros atributos. A escolha desse tipo de conteúdo se deve ao amplo alcance desta espécie de discurso, que não se limita a atingir apenas os direitos fundamentais de indivíduos, mas de todo um grupo social, estando esse alcance agora potencializado pelo poder difusor da rede, em especial de redes de relacionamento [...] (SILVA et al, 2011, p. 446).
Essa emergência
simbólica dos discursos de ódio: o ódio ao outro, o ódio à política, ódio à
democracia, ódio à esquerda, ódio à direita, ou seja, o ódio entendido como
oriundo da opressão, que, segundo Lebrun (2008) quando a civilização impõe uma
satisfação menor a uma falta e restrição ao indivíduo, a resposta é o ódio.
Vivemos um emaranhado de
crises, rupturas e transformações, muitas das quais levam o ódio para as
escolas, para a família e para às pessoas. Seus tentáculos e consequências são
profundas e cada vez mais visíveis na nossa sociedade.
As relações sociais e de
afeto, fundamentais entre as pessoas, estão enfraquecidas na sociedade. Ter a
empatia em compreender como o outro se sente, respeitar ideias e opiniões que
são diferentes das suas desmoronam aos nossos olhos. Adolescentes e jovens,
ainda em processo de desenvolvimento, estão mergulhados nesta cultura de ódio e
violência.
Segundo Minayo e Souza
(1997) a violência pode ser definida por “qualquer ação intencional, perpetrada
por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações dirigidas a outrem, que
cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológicos e/ou espirituais.” Sendo
assim, a OMS (1998) considera três categorias como violência, a saber: a
violência coletiva – que inclui os atos violentos que ocorrem nos âmbitos
macrossociais, políticos e econômicos e caracterizam a dominação de grupos e do
estado; a violência autoinfligida – que caracteriza comportamentos suicidas e
autoabusos; e a violência interpessoal – subdividida em violência comunitária
que inclui a violência juvenil, os atos aleatórios de violência, bem como a
violência em grupos institucionais como as escolas e os locais de trabalho, e
em violência familiar onde ocorre pelo parceiro íntimo, abuso infantil e contra
idosos.
Nesse sentido, a violência interpessoal e suas
subdivisões podem trazer consequências e marcas emocionais podendo permanecer
até a vida adulta. Infelizmente, em muitos casos é utilizado como prática de
educação para seus filhos a violência física, esta trata-se de um problema
histórico e reprodutivo, onde o valor adultocêntrico e, consequentemente, o
abuso de poder, representam fatores significativos sobre a permanência quanto
ao ato de agredir. E consequentemente, a violência praticada no meio familiar
contra os jovens e adolescentes traz sentimentos negativos como: raiva,
tristeza, dor, mágoa, medo, revolta, vergonha, arrependimento, ódio, culpa, o
que acaba interferindo na vida das vítimas, em sua saúde física e emocional,
enfim, em sua qualidade de vida.
A visto disso, atualmente as
relações sociais entre os jovens e os adolescentes não ocorrem apenas de forma
presencial, mas sim em formato virtual com uso e disseminação da internet e das
tecnologias, tendo em vista que, dessa forma a recepção de informações é mais
rápida, é possível fazer várias atividades utilizando mídias diferentes, ter
contato com outras pessoas que estão muito distantes por residirem em outros
locais. Nesse sentido, para Oliveira (2017, p. 289) “as características e
habilidades típicas da cultura digital, são: experimentação, flexibilidade,
simulação, apropriação, multitarefa, cognição distribuída, inteligência
coletiva, julgamento e navegação transmídia”. Estes indivíduos, pensando-se
esta fase de desenvolvimento em que procuram “conviver” em grupos, se
concretiza nas redes sociais. O aumento nas redes sociais de adolescentes e
jovens que acessam grupos com conteúdo de ódio e cada vez maior. Fato altamente
problemático para a expansão concreta da violência.
Outra
característica apresentada por Oliveira (2017, p. 289) é de que a internet para
os jovens e adolescentes “estimula a fantasia, deixando em segundo plano a
maravilhosa capacidade humana que é a imaginação. Isso facilita a diminuição do
vínculo com a realidade e a confusão entre o que é real e o que é virtual”.
Para isso, é importante ressaltar que os pais ou responsáveis precisam ter o
controle do tempo em que seus filhos ficam no meio virtual, além é claro, de
acompanhar o que estão fazendo. O que sabemos ser muito difícil. Segundo Terul
e Bello (2016 apud 2020, PICCINI; COSTA; CENCI) “também existem famílias que deixam a
cargo dos jovens aprender e regular suas atividades digitais, pois os pais
trabalham e lhes falta tempo para acompanhar os filhos”.
Resumindo,
explicar o que está acontecendo com a onda de ataques violentos nas escolas por
adolescentes e jovens, necessariamente passa pelo reconhecimento da violência
como problema social e coletivo, pela cultura de violência e ódio que permeia
nossas relações sociais, pelo enfraquecimento do afeto entre as pessoas e pelo
acesso às redes sociais aos grupos de ódio.
Sociedade
doente, produz indivíduos doentes mentalmente. Defendemos a Educação Emocional
nas escolas e o fortalecimento dos vínculos afetivos. Sem uma contrapartida
segura aos sujeitos afetados por esta sociedade, fica a pergunta: O ódio é o afeto que os une?
PARA SABER MAIS...
ATAQUES
EM ESCOLAS NO BRASIL:
1 - Ataque:
Salvador – BA, (28/10/2002)
O
estudante E.R, 17, matou uma colega a tiros e feriu outra no colégio Sigma, em
Salvador. Ele disparou 4 tiros contra suas vítimas dentro da sala de aula e
depois se dirigiu à quadra de esportes da escola para esperar a polícia chegar.
A arma usada no crime pertencia a seu pai, que era perito da Polícia Civil.
2 – Ataque: Taiúva - SP, (27/01/2003)
Um
estudante de 18 anos disparou 15 tiros contra cerca de 50 estudantes no pátio
da Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz, em Taiúva, interior do Estado. Ele
usou a última bala do revólver calibre 38 para atirar na própria cabeça e
morreu. O episódio não deixou vítimas fatais além do rapaz.
3 – Ataque: Realengo – RJ, (07/04/2011)
W. M. de O., 23 anos, invadiu a
Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, onde havia estudado, e matou a
tiros 12 alunos adolescentes, com idades entre 13 e 15 anos (10 meninas e 2
meninos). Testemunhas dizem que ele atirava nas meninas para matar e, nos
meninos, para ferir.
4 – Ataque: São Caetano do Sul – SP, (22/09/2011)
Um estudante de apenas 10 anos atirou na professora e se matou em seguida na Escola Municipal Alcina Dantas Feijão, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Ele usou uma arma do pai, um guarda civil municipal. De acordo com colegas e funcionários da escola ouvidos na época, o menino era muito estudioso, inteligente e calmo.
5 – Ataque: João Pessoa - (PB), (11/04/2012)
Dois jovens chegaram à Escola Estadual Enéas Carvalho, em Santa Rita (Região Metropolitana de João Pessoa), em uma moto e invadiram o pátio. Eles usavam uniforme da escola. Um deles atirou contra um adolescente de 15 anos. O atirador disparou outras cinco vezes, atingindo duas garotas. Uma delas, de 17 anos, foi baleada no braço direito. A outra, levou um tiro no pé esquerdo. De acordo com a polícia, o motivo do crime teria sido ciúme.
6 – Ataque: Janaúba - (MG),
(05/10/2017)
O vigia de uma creche municipal de
Janaúba, no Norte de Minas Gerais, Damião Soares Santos, de 50 anos, jogou
gasolina no próprio corpo e em crianças e em seguida ateou fogo. O crime
resultou na morte de 10 crianças e 3 adultos. O assassino morreu horas depois
do crime. Ficou em estado gravíssimo após ter 100% do corpo queimado.
7
– Ataque: Goiânia
- (GO), (20/10/2017)
Um adolescente de 14 anos matou a tiros dois colegas e
feriu outros quatro em uma sala de aula do Colégio Goyases, em Goiânia. Filho
de policiais militares, ele usou a arma da mãe, que havia levado à escola
particular escondida na mochila. Segundo a Polícia Civil, o rapaz sofria
bullying e o crime foi premeditado.
8 – Ataque: Medianeira
- (PR), (28/09/2018)
Um estudante de 15 anos do ensino médio pegou uma arma e atirou nos colegas em uma escola estadual da pacata cidade de Medianeira, a 60 quilômetros de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Tinha uma lista para livrar os amigos - no fim, dois acabaram baleados. O atentado aconteceu no Colégio Estadual João Manoel Mondrone. Segundo a polícia, o autor do ataque seria alvo de bullying na escola.
9 – Ataque:
Suzano – (SP), (13/04/2019)
G.
T. M., 17 anos, e L. H. de C., 25, invadiram a Escola Raul Brasil e mataram a
coordenadora pedagógica, a inspetora, e cinco alunos entre 15 e 17 anos. Além
das armas de fogo, a dupla de exalunos portava machadinha, arco e flecha, e
coquetéis molotov. Antes do massacre, Guilherme matou seu tio. Há um terceiro
adolescente envolvido no massacre, mas a investigação corre em segredo de
justiça.
10 – Ataque: Saudades
– (SC), (04/05/2021)
Massacre
na escola-creche Aquarela. F. K. M., 18 anos, fez cinco vítimas fatais: uma
professora, uma agente educacional, e três crianças com menos de 2 anos. F. foi
à escola-creche de bicicleta e usou um facão como arma.
11 – Ataque: Barreiras - (BA),
(26/09/2022)
Um adolescente de 14 anos usou a arma do pai, um policial militar, e matou uma aluna cadeirante no Colégio Municipal Eurides SantAnna, em Barreiras, no oeste do Estado. Dois policiais que estavam nas proximidades da escola o detiveram com tiros. A vítima foi Geane da Silva Brito, de 19 anos, portadora de paralisia cerebral, que via na escola uma ferramenta para inclusão e um local onde se sentia segura e acolhida pela comunidade escolar.
12 – Ataque: Morro do Chapéu -
(BA), (27/09/2022)
Um adolescente de 13 anos ateou fogo na Escola Municipal Yeda Barradas Carneiro, em Morro de Chapéu, na Chapada Diamantina, onde estudava, e feriu a coordenadora com o uso de uma faca.
13 – Ataque: Sobral - (CE), (08/10/2022)
Um estudante de 15 anos morreu e dois ficaram feridos após um adolescente, também de 15 anos, disparar contra os três colegas na Escola Professora Carmosina Ferreira Gomes. Ele estava com uma arma de fogo registrada no nome de um CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) e foi apreendido.
14
– Ataque:
Aracruz
– (ES), (25/11/2022)
Adolescente
de 16 anos (nome não divulgado) entrou atirando em duas escolas da cidade de
Aracruz, região metropolitana de Vitória, deixando 4 mortos e 13 feridos.
15 – Ataque: Ipaussu - (SP), (14/12/2022)
Um ex-estudante de 22 anos invadiu uma escola estadual e feriu com golpes de faca duas professoras em Ipaussu, no interior de São Paulo. O agressor fez outro professor refém, colocou a faca em seu pescoço e resistiu à abordagem da polícia, mas acabou se entregando.
16 – Ataque: São Paulo – (SP), (27/03/2023)
Um adolescente de 13 anos matou uma professora de 71 anos em ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro. Ao menos outras duas educadoras e um aluno foram feridos com faca na ação criminosa.
17 – Ataque: Blumenau - (SC), (05/04/2023)
Um ataque a creche Bom Pastor, na cidade de Blumenau, no Vale do
Itajaí, provocou a morte de ao menos 4 crianças. Em nota, a Polícia Militar de
Santa Catarina informou que um homem de 25 anos invadiu o local e atacou as crianças.
Logo depois do crime, o suspeito se entregou no 10º Batalhão da Polícia
Militar, onde foi preso e encaminhado para a Polícia Civil. Além das 4
mortes, outras 5 crianças ficaram feridas. Viaturas policiais e ambulâncias
estão no local do crime.
REFERÊNCIAS
LEBRUN, J. P. O futuro
do ódio. Porto Alegre: CMC, 2008.
MINAYO, M. C. S.; SOUZA,
E. R. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de
Janeiro, v. 4, n.3, p. 513-531, nov. 1997.
OLIVEIRA, E. S. G..
Adolescência, internet e tempo: desafios para a Educação. Educar em Revista, n. 64, p. 283–298, abr. 2017. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/0104-4060.47048. Acesso em: 23 abr. 2023.
OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE). Relatórios diversos,
1998.
PICCINI, Cristian
Fátima; COSTA, Cristofer Batista da; CENCI, Cláudia Mara Bosseto. Relação entre
pais e filhos adolescentes quanto ao uso das mídias digitais. Contextos Clínic, São Leopoldo , v. 13, n. 3, p. 849-872, dez. 2020. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198334822020000300008&lng=pt&nrm=iso.
Acesso em: 23 abr. 2023.
SILVA, Rosane Leal da et al. Discurso de ódio em redes
sociais: jurisprudência brasileira. Revista direito GV, v. 7, n. 2, p.
445-467, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v7n2/a04v7n2. Acesso em: 24 abr. 2023.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA CATARINA. Centro de Ciências da Saúde. Violência: definições e tipologias
[recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina; Elza Berger
Salema Coelho, Anne Carolina Luz Grüdtner Silva, Sheila Rubia Lindner (Orgs.). Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.
Texto elaborado por Gabrielle Klein Silva e Silvia Carla Conceição Massagli.
Linha de Pesquisa: Tecnologias
Cuidativo-Educacionais: Interlocuções na Saúde, Formação e Educação.
Eixo temático: Educação e Saúde
Psíquica Infanto-Juvenil.
Coordenadora: Dra. Silvia Carla
Conceição Massagli.
(Docente da Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS) - Realeza).
Orientandas: Gabrielle Klein
Silva, Isadora Klein Silva, Júlia Zanini, Sandy Ianka Lima e Silva e Sthefany
Catharine Silva Teixeira.
(Acadêmicas da UFFS - Laranjeiras do Sul e
Realeza).
[1]
Pesquisa com os ataques às escolas estão no final do texto.
Comentários
Postar um comentário