Cuidados ao Sujeito em Sofrimento Psíquico: Olhando o Passado, entendendo o Presente e imaginando o Futuro

A saúde mental pode ser vista tanto como uma prática, quanto como uma disciplina. Como estudo da subjetividade, abarca o tratamento dos transtornos mentais pautado numa atuação vigorosa de promoção da saúde e qualidade de vida dos pacientes e familiares, que devem ser tratados de maneira holística. O cuidado deve ser centrado na família, e baseado nas histórias de vida e social em que o sujeito está inserido.
A necessidade de repensar o conceito do cuidado em doença mental se dá através de questionamentos que buscam romper os conhecimentos engessados sobre tal assunto e assumir novas atitudes frente a essa realidade. É indispensável reconhecer a sua complexidade e abrangência, para a tomada de atitudes que reavaliem e inovem intervenções no intuito de possibilitar a existência humana e social dos pacientes e de seus cuidadores.

Numa perspectiva histórica, o alienismo foi um dos primeiros passos da tentativa de compreender os processos chamados atualmente de transtornos mentais. Para Amarante, 2007, p.21: “Quando falamos de alienismo começamos nos referindo a Philippe Pinel, o médico que ficou conhecido como o pai da psiquiatria, sucessora do alienismo”. Pinel foi uma figura destacável para a psiquiatria. Seu ato de quebrar as correntes dos “loucos” no hospital em plena Revolução Francesa trouxe de volta o mínimo de cidadania àqueles sujeitos. Todavia, vale salientar que não quebraram-se as correntes, e sim mudaram-se as “correntes”. Pois a prisão física que antes se apresentava de forma concreta pelas armações, na fase da grande internação passa a ser mascarada e substituída pelas paredes dos confinamentos.

A Idade Média traz o hospital como um advento histórico importantíssimo. A partir da institucionalização, o Hospital Geral trouxe um novo lugar para a loucura, tornando-o uma ferramenta importante para o estudo dos transtornos mentais, e originando assim, a prática da psiquiatria (MELLO, 2010).

Após a Revolução Francesa, os médicos “absorveram” o hospital, o que fez com que nesse momento histórico a medicina se tornasse uma prática restrita apenas a essa instituição. Por um lado, isso era bom, pois permitia que as doenças fossem estudadas em um determinado local. Mas por outro, esquecia-se de abrir novos campos para a medicina, afim de fazê-la buscar outros horizontes fora do hospital. (TORRE; AMARANTE, 2001).

Essa medicina hospitalar marcou intensamente o caráter do modelo biomédico da medicina ocidental, que passou a ser qualificada como predominantemente hospitalar. (AMARANTE, 2007). Essa herança histórica fez com que a medicina ocidental centralizasse toda sua terapia nesse modelo. O sujeito e suas subjetividades, e suas relações familiares e sócio-culturais não se relacionavam satisfatoriamente no tratamento. Nesse caso, apenas a doença era destinada como foco na assistência médica.

No Brasil, as políticas públicas de apoio ao transtorno mental se respaldam na constituição brasileira de 1988, onde na sessão da ordem social, setor da saúde, artigo 196, está assegurado a saúde como direito de todos e dever do Estado, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (FUREGATO, 2009).

A partir de 1992, com a efetivação da II Conferência Nacional de Saúde Mental, é iniciado o processo de desconstrução do modelo hospitalocêntrico. Dessa maneira, buscou-se a reestruturação do modelo de atenção à saúde mental, baseado na desinstitucionalização psiquiátrica que se ampara no tratamento integral por equipes interdisciplinares, e onde é enfatizada a relação da família com o portador de transtorno mental, levando ao surgimento de propostas para novos modelos terapêuticos (BRASIL, 2004).

Após 12 anos de tramitação, a aprovação da Lei nº. 10.216 de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, reafirma esse redirecionamento do modelo assistencial. Nesse momento há a incorporação oficial às políticas públicas da possibilidade do internamento ser o último recurso terapêutico. Procura-se acabar com os grandes asilos, enfatizando serviços comunitários vinculados aos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial); NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial); ambulatórios; hospitais dia; e leitos específicos em hospitais gerais. Outros marcos significativos nesse processo constituem a Declaração de Caracas de 1990, bem como a reforma sanitária do país, e a III Conferência Nacional de Saúde Mental, que ocorreu em dezembro de 2001. Esses eventos forneceram os fundamentos para a política de saúde mental dos últimos anos. (BRASIL, 2004; FUREGATO, 2009).

Portanto, se em um determinado momento coube ao hospício a legitimação da loucura, separando o portador de transtorno mental da família, justificando-se pelo fato de que esse tratamento reestruturaria a interface entre doente, família e sociedade. Atualmente, a reorganização do modelo de atenção baseia-se na inclusão e integração desses sujeitos, levando em consideração todo o contexto biopsicossocial. Esse processo faz com que a família abarque para si responsabilidades que exigem conhecimentos específicos, tanto terapêuticos, quanto de manejos. Muitas vezes esse cuidado assume uma obrigatoriedade que cai sobre as famílias de forma coercitiva, gerando sofrimento psíquico. Dessa forma, deixa-se o questionamento: Estaríamos prestes a romper o efeito dominó da reação em cadeia de doenças mentais se centrássemos o cuidado na família de forma mais intensa? Até que ponto determinadas intervenções poderiam diminuir essa cascata?

Logo, há a necessidade também para o redirecionamento para a formação acadêmica dos profissionais da saúde, para que os mesmos possam compreender e exercer cuidados direcionados as especificidades desses sujeitos com sofrimento psíquico, além de conseguir envolver a família nos planos cuidativos. 

Referências
AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004 [Internet]. 5ª ed. Brasília; 2004. Disponível  em: <http://www.sesa.pr.gov.br/arquivos/File/19902004.pdf>. Acesso em 10 de fevereiro de 2015.   

FUREGATO, A. R. F. Políticas de saúde mental do Brasil. Rev. esc. enferm. USP,  São Paulo,  v. 43,  n. 2, 2009.   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342009000200001&lng=en&nrm=iso>. access on  10  Feb.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000200001.

MELLO, R. M. A internação psiquiátrica em um hospital geral: o significado para os familiares, 2010. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/23893>. Acesso em 10 fevereiro 2015.

ROSA, L. C. S. Transtorno Mental e o cuidado na família. São Paulo: Cortez, 2003.

TORRE, E. H. G; AMARANTE, Paulo. Protagonismo e subjetividade: a construção coletiva no campo da saúde mental. Rev C S Col.; n. 6, v. 1, p. 73-85, 2001.

Texto elaborado pela Acadêmica de Enfermagem Paloma Gurgel e pelo Professor Me. Marcelo Costa

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