O diabetes mellitus e a metformina: escolha terapêutica e efeitos colaterais

O Diabetes mellitus (DM) é definido como uma doença crônica caracterizada por grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresentam em comum a hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção de insulina e/ou em sua ação (OMS, 2016). Segundo a International Diabetes Federation (IDF), aproximadamente 387 milhões de pessoas são afetadas por esta doença, representando uma prevalência mundial de 8,3% (DIRETRIZES SBD, 2014). No Brasil, a mortalidade por diabetes em indivíduos acima de 40 anos cresceu nos últimos dez anos (WHO, 2017). Diante desse cenário, o diabetes se torna um importante problema de saúde mundial a ser discutido.
(Representação espacial e estrutura química da metformina. FONTE: https://br.123rf.com/)

A doença é classificada nas seguintes classes clínicas: DM - tipo 1; DM - tipo 2; DM gestacional e outros tipos específicos. Como critérios diagnósticos do diabetes, há duas categorias, referidas como pré-diabetes, que são a glicemia de jejum elevada associada à tolerância à glicose diminuída. Essas categorias não são entidades clínicas, mas fatores de risco para o desenvolvimento do DM e doenças cardiovasculares (DCV) (ADA, 2014).

Na rotina clínica, o controle inicial da doença é baseado no tratamento não farmacológico, é aconselhada uma mudança no estilo de vida, combinando uma dieta regrada e atividades físicas regulares. Quando essas providências não resultam em redução do quadro hiperglicêmico, é necessário o uso contínuo de medicamentos (FERREIRA; CAMPOS, 2014).

A farmacoterapia do diabetes depende da classe clínica diagnosticada e se baseia na insulinoterapia ou na administração de hipoglicemiantes orais. Dentre os anti-hiperglicemiantes orais sensibilizadores de insulina está a metformina, o protótipo amplamente prescrito por demonstrar uma aplicabilidade clínica bastante relevante, também por apresentar perfil de toxicidade e segurança favoráveis além de ser bem tolerada durante o tratamento (PINTO et al., 2011).

A metformina pertence à classe das biguanidas, quimicamente, N,N- dimetilbiguanida, derivada da guanidina (Fig. 1). Fisicamente se apresenta como um pó branco, cristalino, quase inodoro, possuindo sabor amargo (BRASIL, 2010b). O seu efeito é descrito pelo aumento da captação de glicose e sua utilização na musculatura esquelética além de diminuir a produção hepática de glicose (gliconeogênese) (CLEASBY et al., 2004).


O seu mecanismo de ação nas β - células pancreáticas é baseado no aumento da atividade do receptor tirosinaquinase da insulina estimulando a translocação do transportador GLUT-4 para a membrana plasmática e a ativação da glicogênio sintase.  No fígado, a metformina melhora a ação da insulina, diminuindo a produção hepática da glicose. No músculo, há o aumento da captação de glicose e estímulo a glicogênese. No adipócito, a metformina inibe a lipólise e a disponibilidade de ácidos graxos livres. A secreção de insulina pode permanecer inalterada ou diminuir compondo uma vantagem por não provocar hipoglicemia duradoura (BRASIL, 2010).


Dentre os possíveis efeitos colaterais, a diarreia é relatada pelos pacientes que utilizam a metformina como o mais incômodo e responsável pela baixa adesão ao tratamento (FLOREZ et al., 2010). Sobre esse efeito colateral a literatura aponta como propostas explicativas a redução na absorção ileal de sais biliares, causando excesso desses sais no cólon e consequentemente a diarreia (MASHIMO; MAY; GOYAL, 2010). Além disso, a incidência da diarreia e a terapêutica com metformina é explicada pelo seu perfil farmacológico de contração intestinal mediado principalmente por um forte componente serotoninérgico. Estudo propõe como principal mecanismo colateral intestinal da metformina, a indução da liberação de serotonina (5-HT) a partir das células enterocromafins e consequente estimulação de receptores 5-HT2B das células musculares lisas, os quais associados à proteína Gq aumentarão os níveis de cálcio muscular e a contratilidade observada no quadro diarreico (HENRIQUES, 2011).


A síndrome dispéptica é comumente relatada no tratamento com fármacos hipoglicemiantes, e pode estar associada à ocorrência das diarréias, além de náuseas, vômitos, dor abdominal, perda de apetite e distúrbios do sabor que são os sintomas mais comuns dos problemas dispépticos observados em pacientes tratados com metformina. (SMAHELOVÁ, 2011).


Para que esse efeito seja minimizado, este medicamento deve ser ingerido com as refeições, e a prescrição médica deve ser feita de modo que a dose deste medicamento seja aumentada lentamente (MILECH; OLIVEIRA, 2006). Os mesmos autores ainda indicam que a diarreia tende a desaparecer com a continuidade do tratamento. Sendo importante a orientação dos pacientes diabéticos em uso desse fármaco para que não desistam do tratamento.


Um evento adverso raro com o uso de metformina é acidose lática. A incidência desse evento é estimada em nove casos para cada 100.000 usuários por ano (KIRPICHNIKOV et al., 2002). Embora a acidose lática tenha ocorrido em casos de ingestão de quantidades tóxicas de metformina, a maioria dos casos envolveu pacientes com comprometimento da função renal. Com o intuito de diminuir o risco de acidose láctica, é contra indicado o uso de metformina em determinadas condições clínicas como doença crônica do fígado com elevação de transaminases 2 a 3 vezes os valores normais, doença renal, insuficiência cardíaca, idade avançada (> 80 anos), vigência de infecções e em situações de hipoxemia.


Pelo exposto conclui-se que a metformina é um fármaco que apresenta importante papel no tratamento do DM. Embora ofereça segurança clínica, o tratamento deve ser feito sob acompanhamento farmacoterapêutico relatando sempre as particularidades da terapia para o profissional responsável capacitado.


Referências

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION (ADA). Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care, v. 37, p. 81-90, 2014.

BRASIL. Farmacopeia Brasileira. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, v. 2, p. 852, 2010.


BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Formulário terapêutico nacional 2010: Rename 2010a. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.


CLEASBY, M.; DZAMKO, N.; HEGARTY, B.; COONEY, G.; KRAEGEN, E.; YE, J. Metformin prevents the development of acute lipid-induced insulin resistance in the rat through altered hepatic signaling mechanisms. Diabetes, v. 53, p. 3258-3266, 2004.


DIRETRIZES DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES (SBD): 2013-2014 / Sociedade Brasileira de Diabetes, São Paulo: AC Farmacêutica, 2014.


FERREIRA, V. A.; CAMPOS, S. M. B. Avanços farmacológicos no tratamento do diabetes tipo 2. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research, v. 8, n. 72, 2014.


FLOREZ,  H.; LUO,  J. ; CASTILLO-FLOREZ , S. ; MITSI,  G., HANNA, J. , TAMARIZ,  L. Impact of metformin-induced gastrointestinal symptoms onquality of life and adherence in patients with type 2 diabetes. Postgraduate Medical Journal, p.112-120, 2010.


HENRIQUES, A. M. P. S. D. - Caracterização farmacológica da contracção intestinal induzida pela metformina. 2011. 104 f. Dissertação de mestrado em Bioquimica - Departamento de Ciências da Vida, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra.


KIRPICHNIKOV, D.; MACFARLANE, S.; SOWERS, J. R.         Metformin: An update.  Annals of Internal Medicine, v. 137, p. 25-33, 2002.


MASHIMO,  H.;  MAY, R. J; GOYAL, R. K. Efeitos do diabetes mellitus no sistema digestório. Diabetes melito. São Paulo: Artmed; p.1081-114, 2010.


MILECH, A.; OLIVEIRA, J. E. P. Diabetes Mellitus: Clínica, Diagnóstico e Tratamento Multidisciplinar. São Paulo: Editora Atheneu, 2006.


OMS. Organização Mundial de Saúde. Diabetes Mellitus/OMS lança seu primeiro relatório global sobre Diabetes. Portal FIOCRUZ, 2016. Disponível em: <https://www.unasus.gov.br/noticia/no-dia-mundial-da-saude-2016-oms-lanca seu-primeiro-relatorio-global-sobre-diabetes>. Acesso em: 04 julho 2017.


PINTO, D.; HELENO, B.; GALLEGO, R.; SANTOS, I.; SANTIAGO, L. M.; MARIA, V. Norma terapêutica da diabetes mellitus tipo 2: metformina uma perspectiva crítica. Acta Médica Portuguesa, v. 24, p. 331-333, 2011.


SMAHELOVÁ, A. Dyspeptický syndrom pri antidiabetické lécbe. / [Dyspeptic syndrome associated with antidiabetic therapy]. Vnitr Lek; 57(4): 391-5, 2011 Apr. Disponível em: <http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/mdl-21612066>. Acesso em 04 de jul. 2017 às 20 horas.


WORLD HEALHT ORGANIZATION (WHO). What is diabetes? Diabetes. Disponível em: <http://www.who.int/diabetes/en/>. Acesso em: 04 de julho de 2017.


Texto elaborado pelos Acadêmicos de Enfermagem Isadora Roberta, Pedro Tiago, Francley Gonçalves, Enfermeiro Rubens Félix, Prof. Dr. Eder Freire e pelos colaboradores: Francisco Kleber Fernandes Aurélio (Farmacêutico e Especialista em Química-UFC, Comendador do Mérito Farmacêutico - CFF), Raquel Fragoso Pereira (Farmacêutica pela UFPB, Servidora Técnico-administrativo da UFCG) e Aline Veras Aurélio (
Farmacêutica e Especialista em Química-UFC, Especialista em Análises Clínicas - IBRAS, Comendadora do Mérito Farmacêutico - CFF).

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