Equipe de Saúde da Família Ribeirinhas e Fluviais como espaço de produção do cuidado

O Brasil é caracterizado como um país de proporções continentais e como tal é responsável por abrigar uma enorme gama de ecossistemas, culturas e populações. As políticas de saúde atuantes preveem como um de seus princípios básicos o acesso total de qualquer cidadão brasileiro aos serviços de saúde públicos, essa característica primária incumbe aos responsáveis pelas ações de cuidado um papel essencial na intervenção e mudança da realidade das populações. Esses serviços se tornam ainda mais indispensáveis quando os sujeitos centrais desse processo são populações em vulnerabilidade social, com necessidades evidentes e barreiras significativas à produção do cuidado como encontrado em comunidades ribeirinhas.
(FONTE: http://www.blog.saude.gov.br/images/ProgramaseCampanhas/UBS_Fluvial_Foto_Erasmo_Salomao_ASCOMMS.jpg)

A Atenção Básica com foco na Estratégia de Saúde da Família (ESF) garante serviços à população baseados em suas necessidades. O atendimento leva em consideração em suas ações de cuidado o contexto de vida do sujeito (físico, econômico e social), para que a partir da análise deste possa ser projetado um cuidado integral que vá além das práticas curativas. Dentro desse contexto a ser considerado, fatores como a acessibilidade geográfica, definida como a distância entre a população e os recursos de saúde, e a acessibilidade organizacional, caracterizada como o modo de organização dos serviços de saúde, se apresentam, em alguns casos, como grandes desafios a serem considerados na implementação da assistência (OLIVEIRA; PEREIRA, 2013).

A população ribeirinha é caracterizada por pequenos grupos familiares localizados à beira de percursos fluviais em alojamentos planejados para sobrevivência nas cheias dos rios. A pouca infraestrutura presente nessas comunidades, a distância geográfica, aliada a condições climáticas extremas, que muitas vezes os isolam em cheias de longa duração, colaboram para dificultar a implantação e manutenção dos serviços de saúde para a população. Isso se deve aos altos custos para o deslocamento, criação de espaços físicos para acomodar os serviços de saúde e alocação de profissionais para essa região (KAFER, 2016).

A falta de investimentos públicos inclusive em áreas como saneamento básico, eletricidade e educação criam condições de pouca informação na população dessas comunidades, seus habitantes ficam à mercê de doenças que poderiam ser prevenidas, como a cárie dentária e a malária, e na ausência de equipes de saúde, por vezes essas populações cultivam práticas de automedicação e consulta a curandeiros locais, que podem se tornar prejudiciais para saúde. Isso ocasiona nessa região uma situação de vulnerabilidade social e um desafio na promoção e manutenção da qualidade de vida dos indivíduos que não contam com a estrutura, materiais ou profissionais necessários para que ocorra um cuidado completo e abrangente (FRANCO et al., 2015).

Visando superar a deficiência no atendimento a essa população, o Ministério da Saúde (MS) através da política de expansão da Atenção Básica cria novos modelos de equipes de saúde pautadas no atendimento das regiões ribeirinhas até então de difícil acesso para os moldes tradicionais.  De acordo com a Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 do Ministério da Saúde, as populações pertencentes as regiões da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) e Pantanal Sul Mato-Grossense caracterizadas como Populações Ribeirinhas, de acordo com suas necessidades e variantes locais, podem optar por dois modelos de equipes de Saúde da Família que seguem eixos diferentes daqueles encontrados no restante do território nacional. São elas: as Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas (ESFR) e as Equipes de Saúde da Família Fluviais (ESFF), sendo responsáveis respectivamente pelo atendimento em instalações fixas na própria região ribeirinha e por ações feitas a partir de embarcações que compõem as Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF) (BRASIL, 2011, 2017).

As equipes de saúde presenciais (através das ESFR) ou moveis (como as ESFF) alcançam a população em seu território e uma vez inseridas em seu contexto social, econômico e político devem proporcionar as intervenções necessárias para a mudança da realidade da população submetida a um grande isolamento geográfico e inexistência de diversos serviços públicos. O acompanhamento em saúde oferecido de maneira local proporciona a esses atores sociais uma porta de entrada facilitada na rede de atendimentos do sistema de saúde e aos profissionais uma maneira de intervenção naquele espaço de modo a construir junto com a população as mudanças necessárias para a melhoria de saúde.

As práticas de promoção de saúde e prevenção de agravos voltadas as necessidades locais incidem diretamente nos problemas da comunidade. A educação em saúde acerca de situações como a importância da vacinação, da transmissão da malária, do acompanhamento pré-natal, da amamentação, e a oferta desses serviços com estrutura, materiais e profissionais necessários para que essas orientações se concretizem e trazem para o contexto social mudanças significativas.

O aumento dos investimentos em saúde nessa região e a criação de novos modelos das equipes de saúde moldadas para a realidade da comunidade possibilitou a reestruturação da Atenção Básica ampliando a abrangência dos serviços, estruturação de mais instalações físicas e alocação de profissionais causando melhora na qualidade de vida e indicadores de serviços da população. Esse fato pode ser corroborado por acontecimentos como o decréscimo de internações por condição sensível à Atenção Básica, redução do número de casos novos de sífilis em menores de um ano, redução na taxa de mortalidade infantil, aumento na proporção de crianças e gestantes imunizadas, além de um maior número de consultas por habitantes e de proporção de nascidos vivos (KAFER, 2016).

As Barreiras existentes nessas comunidades para que sejam implementados espaços para produção de cuidados são diversas, desde dificuldade de acesso por barreiras geográficas até a desinformação e poucos investimentos públicos. As esquipes de saúde, com destaque para as ESFR e ESFF, possuem o importante papel de intervir na realidade dessas populações, promover espaços para compartilhamento de informações e cuidados de modo a incluir essas populações, distanciadas por barreiras naturais e sociais, no contexto do sistema de saúde brasileiro colaborando para melhoria da qualidade de vida dos atores sociais.

São visíveis as mudanças que começaram a surgir nessas regiões com a chegada dessas variantes das equipes de saúde e ainda mais aparente se torna a necessidade de ampliação dessas equipes e suas ações, de modo a alcançar todas as comunidades em vulnerabilidade social, que ainda não foram atendidas por esse programa, e desenvolver cada vez mais ações para evolução do quadro social das populações ribeirinhas.

Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Diário oficial, Brasília, DF, n. 204, 24 out. 2011. Seção 1, p. 48.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Equipe Saúde da Família Ribeirinhas e Fluviais. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_esf.php?conteudo=ubs_fluvial. Acesso em: 02/07/2017.

FRANCO, E. C. et al. Promoção da saúde da população ribeirinha da região amazônica: relato de experiência. Rev. CEFAC, São Paulo ,  v. 17, n. 5, p. 1521-1530,  out. 2015.

KAFER, M. C. Avaliação dos efeitos da implantação do Programa Equipe de Saúde da Família Ribeirinha na Amazônia Legal. 2016. 137 p. Dissertação (Mestrado – Mestrado Profissional em Administração) – Universidade de Brasília, Brasília. 2016.

OLIVEIRA, M. A. C.; PEREIRA, I. C. Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família. Rev. bras. enferm.,  Brasília ,  v. 66, n. spe, p. 158-164,  Sept.  2013.

Texto elaborado pelo Acadêmico de Enfermagem Mateus Andrade e pelo Professor Dr. Marcelo Costa.

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