A Estigmatização Acerca da Doação de Sangue por Homossexuais no Brasil

Os padrões sociais são responsáveis, por vezes, de impor a moral perante a sociedade. Nesse sentido, a vivência de cada indivíduo tende a ser alvo de preconceito a partir do momento que o senso comum julga aquilo como contrapartida ao que parece ser correto. Esses conflitos interpessoais centralizam de maneira negativa a singularidade de cada pessoa que é estigmatizada, deixando para trás aspectos que apresentam relevância ao público. Dentre esses impasses, menciona-se a restrição de doação de sangue por homossexuais no Brasil.





De acordo com o Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2019), a cada mil habitantes, 16 são doadores de sangue. Esse percentual de 1,6% faz com que o Estado se enquadre nos parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), que indica a adesão de 1 a 3% da população de cada país à doação sanguínea. O MS trata essa avaliação como fruto de campanhas que visam sensibilizar a população acerca de tal ato, ressaltando a ênfase que deve ser dada a elas, na finalidade de promover a manutenção dos estoques de bancos de sangue. 

Embora haja uma demanda significativa acerca do uso de hemoderivados nos serviços de saúde, critérios adotados pelos órgãos públicos dificultam que essas necessidades sejam supridas. A portaria nº 158, de 4 de fevereiro de 2016 traz no parágrafo 64 os critérios a serem considerados para tornar um indivíduo temporariamente inapto (12 meses) a doar sangue, onde um deles trata de homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes (BRASIL, 2016). 

A adoção de tal medida se sustenta no argumento de prevenir a disseminação do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV), por exemplo. Com o incremento científico, sabe-se que o contágio pelo HIV não se relaciona de maneira específica a um determinado grupo. Sendo assim, diante das comprovações científicas, se torna irrelevante essa imposição legislativa a uma parcela social. Esse obstáculo deixa brechas para o preconceito com essa classe, uma vez que as medidas para um doador heterossexual se detêm somente ao fato da relação ocorrer com parceira fixa nos últimos 12 meses, sem levar em consideração a utilização da camisinha. Se tratando da relação homossexual, a lei não aborda esse referido método preventivo como alternativa (ALVES, 2018). 
As distinções existentes acerca da doação sanguínea trazem em suas raízes os antepassados que atribuíam valor simbólico ao sangue, utilizando-o para impor diferenças socioeconômicas. Nessa perspectiva, as medidas que são adotadas para o homossexual não participar da doação o marginaliza publicamente, contribuindo ainda mais aos agravos vivenciados em seu dia a dia (SEFFNER, 2016). 
Objetivando um novo olhar sobre as políticas de doação de sangue, torna-se importante a criação de uma avaliação que não estigmatize socialmente o público homossexual, contribuindo assim para seu efetivo exercício de cidadania. Nisso se relaciona também a questão de superar a ideia de grupo de risco, e, sim, levar em consideração a vulnerabilidade que todos os cidadãos estão expostos tanto ao HIV quanto às demais doenças infectocontagiosas (CARPINELI, 2016). 
O ato de doar sangue é uma das ações sociais que configuram a cidadania e a participação coletiva em causas pelo próximo. Usar os comportamentos individuais como argumento para dificultar esse acesso à doação faz com que diversas pessoas fiquem sujeitas a agravos. Embora haja campanhas que visem recrutar a população a fazer essa expressão de amor pelo outro de forma anônima, os critérios de avaliação distanciam determinadas parcelas sociais dessa criação de vínculos. Sendo assim, é importante a reformulação dessas políticas.

REFERÊNCIAS
ALVES, Sandra Mara Campos e FILHO, Moacyr Rey. Prudência ou preconceito? O impedimento da doação de sangue por homens que fazem sexo com homens. Cad. Ibero-Amer. Dir. Sanit., Brasília, 7(2):262-265, abr./jun, 2018. Disponível em: <https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/495/549>. Acesso em 20 out 2019. http://dx.doi.org/10.17566/ciads.v7i2.495

BRASIL. Ministério da Saúde. Dezesseis a cada mil brasileiros doam sangue. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/45520-dezesseis-a-cada-mil-brasileiros-fazem-doacao-de-sangue>. Acesso em 20 out 2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 158, de 04 de fevereiro de 2016. Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Diário Oficial da União, Brasília (DF). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html>. Acesso em 19 out 2019.

CARPINELLI, André de Paula Turella. Doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens à luz do princípio da igualdade no direito brasileiro. Iuris in mente: revista de direito fundamentais e políticas públicas. Itumbiara, v. 1, n. 1, pp. 32-52, jul-dez., 2016. Disponível em: <http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/iuris/article/view/2245/1588>.  Acesso em 21 out 2019.

SEFFNER, Fernando e PARKER, Richard. Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à AIDS. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2016, v. 20, n. 57, pp. 293-304. Acesso em 20 out 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0459>. Epub 16 Fev 2016. ISSN 1807-5762. https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0459.
Texto elaborado pela acadêmica de Enfermagem Mariana Alexandre Gadelha de Lima e pelo professor Dr. Marcelo Costa Fernandes.

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