Alterações epigenéticas e diabetes mellitus tipo 2: Hábitos que podem modificar a expressão gênica.

O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe um de outros tantos episódios que deixaram cicatrizes na história mundial, o Hongerwinter (Inverno da fome), situação na qual os nazistas bloquearam o fornecimento de comida de toda a Holanda, deixou 20 000 mortos, afetou 4 milhões de pessoas e deixou marcas que perduram até hoje, por incrível que pareça, impressas no DNA.

Alterações epigenéticas, DNA, diabetes mellitus
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As pessoas que passaram pelo inverno de fome sofreram de doenças como anemia e distúrbios respiratórios para o resto da vida, seus filhos e netos apresentaram tendências acima da média da população mundial para o desenvolvimento de transtornos alimentares, diabetes e doenças coronárias. Esse caso é um dos muitos que confirma a capacidade que hábitos de vida e o ambiente possuem de influenciar o organismo de maneira profunda afetando, segundo os estudos da epigenética, a maneira como o DNA promove a ativação dos seus genes (BASTOS; CARVALHO; SANTOS, 2016).

A epigenética pode ser definida como mudanças herdáveis na função genética que acontecem sem que ocorram alterações na sequência de DNA. Essas alterações se dão a partir da regulação da transcrição mediada por modificações químicas no DNA, como metilação, acetilação e fosforilação, que acontecem constantemente durante toda a vida do indivíduo modificando a maneira que ele expressa seu fenótipo e responde ao ambiente (PONTELLI; NUNES; OLIVEIRA, 2016).

A maioria dessas modificações são essenciais para a manutenção da qualidade de vida associada a resposta do indivíduo ao seu meio. Porém, com o passar da idade as influências do ambiente somadas em alterações no DNA originam um Epigenoma (mapa das alterações epigenéticas) que pode estar relacionado ao desenvolvimento de diversas patologias por influenciar a forma como o organismo responde a diferentes situações como estresse e alimentação. Um dos casos mais estudados é o da Diabetes Mellitus Tipo 2 caracterizada por altos níveis de glicose sanguínea associada com a resistência dos tecidos à insulina (ASSAKAWA; PIMENTA, 2019).

O aumento da incidência de doenças nutricionais crônicas não transmissíveis, como a Diabetes, está diretamente relacionado a maneira como as alterações epigenéticas modificam o DNA mudando a maneira como os tecidos respondem à insulina, glicose e lipídeos. O processo de alteração epigenética é influenciado pela predisposição genética, bem como o envelhecimento, além de vários fatores ambientais, incluindo exercício e dieta (LING; RÖNN, 2019).

Estudos longitudinais feitos com pais que possuíam maus hábitos alimentares e filhos nascidos nesse período demonstraram que uma dieta rica em lipídeos saturados, alta carga de carboidrato simples, e sedentarismo (de ambos os pais) deu origem a alterações no DNA que foram passados para os filhos tornando-os mais susceptíveis para o desenvolvimento de síndromes metabólicas como a diabetes mellitus tipo 2. As alterações foram tão severas que mesmo hábitos que existiam apenas antes da gravidez refletiram na prole (COSTA; PACHECO, 2013).

Este estudo também indicou que seria necessário no mínimo o período de um ano de mudanças dos hábitos de vida antes da fertilização para minimizar os riscos de passagem dessas interferências genéticas. No entanto, exercícios físicos e uma alimentação saudáveis são capazes de alterar o epigenoma de maneira positiva diminuindo a resistência dos tecidos à insulina e diminuindo o acúmulo de gorduras (COSTA; PACHECO, 2013).

O período de vida inicial das crianças ainda na útero também é fundamental no seu desenvolvimento, como demonstra o caso apresentado no início do texto, onde filhos de mães que passaram fome durante o período de guerra retinham quantidades maiores de açúcar e gorduras estando mais susceptíveis ao desenvolvimento de obesidade e diabetes (ORNELLAS et al. , 2017).

Os estudos epigenéticos apresentam grande potencial na identificação e caracterização de distúrbios clínicos como a diabetes, servindo como base, inclusive, para o desenvolvimento de tratamentos que modifiquem as alterações epigenéticas que estão associadas a patologias. Entretanto, mesmo com diversas evidências científicas é necessário entender que as doenças metabólicas são heterogêneas e multifatoriais não podendo, portanto, ser caracterizadas como causadas por uma única modificação ou um pequeno conjunto delas (LOH, et al., 2019).






Referências

ASSAKAWA, L. S.; PIMENTA, R. S. A NUTRIGENÔMICA COMO MÉTODO DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE DOENÇAS. DESAFIOS - Revista Interdisciplinar Da Universidade Federal Do Tocantins, Palmas. Vol. 6. N. 3, p. 3-10. 2019. https://doi.org/10.20873/uftv6-7029

BASTOS, Luis Cesar Nunes; CARVALHO, Daniela Pereira; SANTOS, Tatianne Rosa dos. Epigenética e seu Papel no Desenvolvimento Embrionário. Multiverso, Juiz de Fora, vol:1, n.2, p. 171-180. 2016.

COSTA, Everton de Brito Oliveira; PACHECO, Cristiane. Epigenética: regulação da expressão gênica em nível transcricional e suas implicações. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 34, n. 2, p. 125-136. 2013. Disponível: 
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminabio/article/viewFile/5142/13877. Acesso em: 27/10/19. DOI: 10.5433/1679-0367.2013v34n2p125

LING, Charlotte; RÖNN, Tina. Epigenetics in Human Obesity and Type 2 Diabetes. Cell metabolism. Maryland Heights, Vol. 29, N. 5, 7. P. 1028-1044. 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1550413119301378. Acesso em: 27/10/19. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2019.03.009

LOH, Marie et al. Epigenetic disturbances in obesity and diabetes: Epidemiological and functional insights. Molecular Metabolism. Stuttgart. Vol. 27. Supplement. P.S33-S41. 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212877819305721. Acesso em: 27/10/19. https://doi.org/10.1016/j.molmet.2019.06.011.

ORNELLAS F et al.Obese fathers lead to an altered metabolismo and obesity in their children in adult hood:review of experimental and human studies. JPediatr. Rio de Janeiro. Vol. 93, p. 551---9. 2017.

PONTELLI, Regina Célia Nucci; NUNES, Altacilio Aparecido; OLIVEIRA, Sonia Valle Walter Borges de. Impacto na saúde humana de disruptores endócrinos presentes em corpos hídricos: existe associação com a obesidade?. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 753-766, Mar. 2016.  Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000300753&lng=en&nrm=iso>. access on  26  Oct.  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015213.25212015.

Texto elaborado pelo acadêmico de Medicina Mateus Andrade Ferreira e pela Professora Dra. Rafaelle Cavalcante Lira 

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