Complicações da cetoacidose diabética em pacientes pediátricos

A cetoacidose diabética (CAD) representa uma das complicações agudas mais letais, que pode ocorrer durante a progressão do Diabetes Mellitus tipo 1 e 2 (DM1 e DM2). No Brasil, a CAD manifesta-se em cerca de 20% dos pacientes durante o diagnóstico da DM1, ocorrendo em 1 a 10% em pacientes pediátricos já diagnosticados com a DM1. Esse problema é mais frequente em crianças com menos de quatro anos e acomete 10 a cada 100 mil crianças (LOPES et al., 2017).

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A cetoacidose diabética decorre da redução efetiva de insulina combinada ao excesso da secreção de hormônios contrarreguladores, como o glucagon, o cortisol e as catecolaminas. O déficit de insulina provoca o aumento da produção hepática e renal de glicose e diminuição da captação pelos tecidos periféricos, resultando na exacerbação da hiperglicemia e no estado de hiperosmolalidade no espaço extracelular. Logo, o quadro hiperglicêmico surge a partir da ativação de mecanismos como a gliconeogênese, ativação da glicogenólise e limitação do uso periférico de glicose (THALES et al., 2014).

A associação da deficiência de insulina com o excesso de liberação de hormônios contrarreguladores resulta no aumento da lipólise, ou seja, a liberação demasiada de ácidos graxos livres presentes nos adipócitos. Esses ácidos graxos irão sofrer oxidação no fígado, convertendo-se em corpos cetônicos (ácidos β-hidroxibutírico e acetoacético).  Dessa forma, o acúmulo de corpos cetônicos culminará em cetonemia e acidose metabólica, acompanhados de glicosúria, desidratação e diurese osmótica (SBD, 2017).

Apesar das complicações da CAD não serem eventos comuns, podem surgir nos pacientes pediátricos portadores da DM1, frente ao desequilíbrio no balanço hídrico e nos eletrólitos ocasionados pelas alterações osmóticas em resposta a hiperglicemia. Além disso, o aumento da acidez gerado pelo acúmulo de corpos cetônicos é prejudicial às reações químicas orgânicas, pois uma vez que essas reações acontecem dentro de uma faixa estreita de pH, a variação desse fator desregula processos metabólicos importante para a manutenção da homeostasia (AZEVEDO; SCHWAN; SCHREINER, 2012).

Dentre essas complicações, uma das mais frequentes é a hipocalemia, em virtude muitas vezes do próprio manejo clínico da CAD. Em determinado estudo, foi apontado que na maioria das crianças que apresentou a CAD como primeira evidência da diabetes, 41% exibiu hipocalemia durante o tratamento, na qual o déficit corporal de potássio pode variar de 3 a 6 mmol/kg (LOPES et al., 2017). Esse potássio é perdido em decorrência de vômitos, diurese osmótica, hipoaldosteronismo secundário à depleção de volume, que também favorece a eliminação de potássio pela urina. A hipocalemia profunda está ligada a necrose muscular e até paralisia ascendente, além de potencialmente causar disfunções eletrofisiológicas, manifestando em quadros de arritmias atriais e ventriculares (CHINOY et al., 2019).

Pavic e colaboradores (2018) mencionam que uma condição rara relacionado a cetoacidose diabética é a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), sendo um preditor de alta mortalidade em crianças e pré-adolescentes.  A SDRA é uma lesão pulmonar inflamatória difusa de início rápido, acompanhada de dispneia, hipoxemia e diminuição da complacência pulmonar acompanhado por infiltrados difusos na radiografia do tórax. Apesar do mecanismo da SDRA durante a CAD seja indeterminado, pesquisas estimam que em pacientes diabéticos com CAD, a acidose grave induz o aumento da permeabilidade das membranas capilares, alterando o metabolismo do surfactante alveolar e levando ao acúmulo de líquidos no espaço alveolar.

Os pacientes pediátricos podem também apresentar o edema cerebral. Apesar da incidência em crianças com CAD ser baixa, é a principal causa de óbito nessa condição, responsável por 60 a 90% de todas as mortes. A cetoacidose geralmente pode induzir um estado protrombótico, em que adolescentes com doenças crônicas possuem maiores chances de desenvolverem uma trombose venosa profunda hospitalar (CARSON et al., 2019).

Dessa forma, a importância do diagnóstico precoce do Diabetes Mellitus tipo 1 em crianças e adolescentes é fundamental para o controle das alterações metabólicas inerentes, em especial a cetoacidose diabética. As complicações são potencialmente letais quando não tratados de imediato, levando a sequelas limitantes e até mesmo o óbito. Por isso, a atuação da equipe multiprofissional na terapêutica desse paciente deve consistir na adoção conjunta de medidas que interrompam a progressão das complicações associadas à regulação da cetoacidose, como promover a hidratação intravenosa, correção do desequilíbrio eletrolítico (principalmente de sódio e potássio), administração de insulina e acompanhamento do nível de consciência (THALES et al., 2014).

Texto produzido pelo acadêmico de Farmácia José Isaac Alves de Andrade e Prof. Dra. Rafaelle Cavalcante de Lira

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, E. G.; SCHWAN, B. L.; SCHREINER, L. R. Revisão sobre cetoacidose diabética. Acta méd.(Porto Alegre), v. 33, n. 1, p. [7]-[7], 2012.

CARSON, J. H. et al. A Pediatric Diabetic Ketoacidosis Patient with Multisystem Complications and a Prolonged Course. Kansas journal of medicine, v. 12, n. 3, p. 89, 2019.

CHINOY, A. et al. Severe hypokalaemia in diabetic ketoacidosis: a contributor to central pontine myelinolysis?. Endocrinology, Diabetes & Metabolism Case Reports, v. 2019, n. 1, 2019.

LOPES, C. L. S et al. Cetoacidose diabética em uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Jornal de Pediatria, v. 93, n. 2, p. 179-184, 2017.

PAVIĆ, I. et al. Acute Respiratory Distress Syndrome in a Four-Year-Old Boy with Diabetic Ketoacidosis–Case Report. Acta clinica Croatica, v. 57, n. 3, p. 588, 2018.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Editora Clannad, 2017.

THALES, A. J. et al. Cetoacidose diabética: uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research, v. 6, n. 2, p. 50-53, 2014.

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