Mecanismos bioquímicos de lesão renal no Diabetes
Na
classificação atual da Doença Renal Crônica, independente da etiologia, são
avaliados dois parâmetros principais: a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) e excreção
urinária de proteínas, proteinúria. Os danos renais promovidos pelo Diabetes
Mellitus (DM) estabelecem apresentações clínicas variáveis, sendo cada vez mais
empregado o termo Doença Renal do Diabetes (DRD) à redução da TFG isolada; e
Nefropatia Diabética (ND) para uma proteinúria detectável persistente, em geral
associada a uma elevação da pressão arterial (PA). No Brasil, embora a taxa de
complicações crônicas promovidas pelo DM venha diminuindo nos últimos anos, a
DRD continua sendo a principal causa de DRC em pacientes que ingressam em
programas de diálise (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017).
O
surgimento da DRD é resultante do meio hiperglicêmico crônico que induz a
ativação e alteração de vias metabólicas, bem como disfunção hemodinâmica.
Nesse sentido, faremos uma breve explanação sobre os seguintes mecanismos
envolvidos na fisiopatologia da lesão renal no diabético: auto-oxidação da
glicose, as vias do poliol e das hexosaminas, a formação de produtos de
glicação avançada (PGAs), a produção de nicotinamida adenina dinucleotídeo
fosfato (NADPH) oxidase (NOX), a ativação da proteína quinase C (PKC) e a ação
anormal da angiotensina II (Ang II) (AMORIM et al. 2019).
A
auto-oxidação da glicose é percebida no indivíduo em estado hiperglicêmico,
pela hiperestimulação da glicólise, bem como das reações cicladas a partir dos
seus produtos e derivados, tais quais o Ciclo de Krebs e a Cadeia
Transportadora de Elétrons (CTE). Esta
última é uma fonte de geração de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS), sobretudo
nas células renais, visto o alto número de mitocôndrias, causadoras de lesão
celular e, eventualmente, apoptose por estresse oxidativo (AMORIM, 2019).
Quanto
à via dos polióis, onde a glicose é convertida à sorbitol através da enzima
aldose redutase, dependente de NADPH, sua superestimulação merece destaque pelo
sequestro do NADPH, cofator necessário para a regeneração da glutationa
peroxidase, um importante antioxidante. Nesse sentido, instala-se um
desequilíbrio redox, culminando em mais estresse oxidativo. Outra via ativada pela alta concentração
glicêmica é a via PKC, devido ao aumento na síntese de seu cofator, o diacilglicerol
(DAG). A partir dessa via são promovidos efeitos sobre a expressão gênica,
alteração na expressão de fatores de crescimento, como fator de crescimento
endotelial vascular (VEGF) e fator transformante de crescimento beta (TGF-β). Resultando,
em vasoconstrição, aumento da permeabilidade vascular e comprometimento de fluxo
sanguíneo que podem ocasionar edema, hipóxia e estímulo para neovascularização
(AVELINO & CHRISTOFF, 2016).
Por
sua vez, os produtos finais de glicosilação avançada (PGAs) formam um grupo
heterogêneo de proteínas, lipídios e ácidos nucleicos, onde os resíduos
glicídicos estão covalentemente ligados como resultante do estado
hiperglicêmico e estresse oxidativo. Além de poderem se ligar de forma
não-específica às membranas basais e modificar as suas propriedades, os PGAs
também induzem respostas celulares específicas por interação com receptores.
Assim, promovem lesões renais através do seu papel indutor de esclerose
glomerular, fibrose intersticial e atrofia tubular (CASTRO, 2011).
A
família de NADPH oxidases (enzimas NOXs) também contribui para o estresse
oxidativo, por ser uma importante fonte de ROS no DM, uma vez que, são
proteínas transmembranares que transferem elétrons do NADPH citosólico para o O2.
Outra via ativada na DM é a da hexosamina, que resulta basicamente em
alterações patológicas na expressão gênica e ativação do fator de crescimento
TGF-β, envolvido na vasculopatia diabética. Sabe-se que em indivíduos
diabéticos do tipo 2, as modificações de proteínas de células endoteliais por
via hexosamina é significativamente aumentada (AMORIM, 2019).
Além
dessas vias, um mecanismo de extrema importância no controle arterial estará
alterado no estado hiperglicêmico crônico, o Sistema Renina Angiotensina
Aldosterona (SRAA). O processo ocorre pela síntese aumentada de Angiotensina II
e expressão de seus receptores nas células glomerulares, mesangiais e
podocitárias, bem como de renina no aparelho justaglomerular. Dessa maneira,
ocorre uma ativação anormal do SRAA, promovendo danos devido à hiperfiltração
glomerular em resposta ao aumento da pressão sistêmica e intraglomerular (CALADO
& BRUM, 2006).
Assim, podemos observar que os
mecanismos promotores da lesão renal no diabetes estão interligados e possuem
uma base comum: a hiperglicemia. Dada a importância clínica da doença renal do
diabetes, uma vez entendida como porta principal para a diálise, é necessário o
acompanhamento regular do indivíduo portador do diabetes pelo médico e
aderência ao plano terapêutico a fim de evitar a progressão da patologia e acometimento
por tal complicação.
Texto
produzido pelo acadêmico de Medicina José Vinícius de Souza e pela professora
Dra. Rafaelle Cavalcante de Lira
AMORIM, Rayne Gomes et al . Doença Renal
do Diabetes: Cross-Linking entre Hiperglicemia, Desequilíbrio Redox e
Inflamação. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo , v.
112, n. 5, p. 577-587, maio 2019.
AMORIM, Rayne Gomes. Estresse oxidativo e inflamação
na nefropatia diabética. 2019. 99 f. Dissertação (Mestrado em Nutrição) –
Faculdade de Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade
Federal de Alagoas, Maceió, 2019.
AVELINO, L. O.; CHRISTOFF, A. O. A geração de
produtos finais da glicação avançada (ages) durante o preparo ou processamento
de alimentos e seus efeitos nas complicações do diabetes mellitus. Anais
do EVINCI – UniBrasil. 2, nov. 2016.
CALADO, J.; BRUM, S. O Bloqueio do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona
na Nefropatia Diabética. Revista Portuguesa de Diabetes. v. 2 p. 27-30. 2006.
CASTRO, E. O Papel dos Produtos Finais de
Glicosilação Avançada na Nefropatia Diabética. Arq Med, Porto
, v. 25, n. 1, p. 27-37, fev. 2011.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de
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